Lucas Torres [email protected]
O aumento da complexidade das estruturas dos automóveis tem criado impasses éticos e até legais entre os fabricantes e a cadeia independente de manutenção. A preocupação das empresas independentes gira em torno da perspectiva da criação de uma espécie de ‘monopólio’ adquirido pelas montadoras e concessionárias autorizadas, caso estas passem a ser as únicas detentoras das ferramentas de diagnóstico remoto dos automóveis.
Tal perspectiva fez com que o Sindirepa Nacional, principal representante dos reparadores independentes do Brasil, sinalizasse no último mês de dezembro com sua entrada no movimento ‘Right to Repair’, mobilização de proporção global contra a concorrência desleal de fabricantes, sua rede de empresas autorizadas e profissionais da reparação em geral. “Agora, com a chegada dos veículos telemáticos, ou seja, com conexões sem fio que proporcionam informações privilegiadas às montadoras, a preocupação das oficinas independentes está em não acessar as condições para diagnóstico e manutenção com produtividade e assertividade pela primeira vez, resultando em uma competição injusta com a rede de concessionárias, que por sua vez é estimulada fortemente pelas montadoras a comercializar autopeças junto às próprias oficinas independentes, o que mostra o antagonismo desta novela”, declarou a entidade, antes de traçar sua estratégia para o enfrentamento ao problema. “O Sindirepa Brasil, seguindo o caminho das entidades parcerias da Argentina (FAATRA) e Uruguai (CTMA), deverá buscar parlamentares para que possam entender este polêmico assunto, que em nenhum momento é tratado pelo Governo Federal em seus programas automotivos, mesmo com legislações ambientais severas do país que sinalizam a facilidade na liberação destas informações”.
Questionamos Silmar Palmeira, diretor da Qualcomm, sobre esta visão de ameaça nutrida pelo aftermarket independente brasileiro em consequência do aumento da conectividade entre carro e fabricante promovido pela tecnologia 5G. Ao analisar o cenário, no entanto, o executivo disse não compartilhar dessa visão e afirmou enxergar esse aumento da eficiência na manutenção preventiva possibilitada pelo 5G como uma grande oportunidade para as empresas independentes da cadeia, inclusive as lojas de autopeças. “Você imagina que os carros de determinada montadora serão monitorados por ela. Tudo bem, ela vai ter essa informação e orientar a manutenção, muitas vezes até de maneira automática. No entanto, ela vai ter de construir uma rede de parcerias para poder reparar essa grande quantidade de automóveis. Não vai conseguir fazer isso sozinha pelo tamanho da demanda”, analisa Palmeira. Assim, para o executivo, a forma mais eficiente de atender o cliente com a celeridade necessária será acionar uma loja de autopeças independente e/ou oficina de reparação toda vez que o carro necessitar de manutenção. “A loja que trocar informações com a montadora por meio dessa parceria vai dizer quais peças ela tem disponíveis, a quantidade dessas peças, a localidade… Sendo parte integrante dessa cadeia que se iniciou no monitoramento do desgaste e entregando uma eficiência cada vez maior para o consumidor final”, concluiu o diretor da Qualcomm. Na teoria é um conceito interessante. O problema é que tal encadeamento exigiria uma série de transformações culturais e comerciais no aftermarket automotivo, a começar pela criação de uma rede de relacionamento entre montadoras e varejos de autopeças, algo improvável no cenário atual