Os exterminadores do futuro que nunca existiu

Claudio Milan
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Propulsão a jato ou nuclear, freios com auxílio aerodinâmico e condução por manche ou autônoma. Esse é o carro que você deveria estar dirigindo hoje. E por vias inteligentes

Durante muitos anos nada simbolizou melhor o futuro do que a chegada do século 21. Presente apenas na imaginação e nos contos de ficção científica, esse momento mágico parecia tão distante para os antigos autores que talvez ninguém pudesse afirmar com convicção que um dia ele realmente chegaria. Pois não é que a virada do século já ficou para trás há duas décadas?

Agora, neste momento em que a indústria automotiva caminha para a maior ruptura em sua história, nós, cidadãos do século 21 que já temos como certa a chegada dos carros autônomos, podemos olhar para trás com curiosidade para saber, afinal, quem e como deveríamos ser hoje se tivesse existido o futuro imaginado no passado.

O automóvel, ícone do desenvolvimento humano no século 20, foi alvo de muitas previsões sem qualquer embasamento científico. Carros voadores apareceram nas mais diferentes bolas de cristal e histórias em quadrinhos. Mas o automóvel do século 21 também foi objeto de estudo dos departamentos de estilo e engenharia das montadoras ao longo das décadas de 1950 e 1960, talvez as mais ricas da era dos concept cars.

Embora algumas ideias tenham realmente se tornado uma antevisão de soluções que agora começam a ser implantadas, muitas das propostas analisadas sob a ótica atual se mostram tão mirabolantes quanto as mais descompromissadas previsões. Continue conosco nesta viagem no tempo e conheça um pouco do futuro que nunca existiu e a gênese de soluções que só agora começam a sair do papel.

Espaço, a fronteira final

A conquista do espaço de certa forma sempre esteve relacionada às propostas para o futuro do automóvel. Não é por outro motivo que nos anos 50 acreditava-se que os carros no século 21 lembrariam naves ou foguetes.

Em 1953, a GM apresentou o Firebird, um protótipo que resumia este conceito com perfeição. O design era extremamente ousado. O veículo parecia mais um foguete sobre rodas. O sistema de propulsão era compatível com esta proposta: o carro era movido por turbina. Até porque o petróleo já não existiria mais no novo século. Nesta visão do futuro segundo a GM, os tradicionais comandos de acelerador, freio e direção seriam substituídos por um manche.

Firebird 53 parecia mais um foguete que um carro

Empurrando-se a alavanca o carro acelerava, parando quando era feito o movimento contrário. A direção a seguir era determinada movendo-se a alavanca para esquerda ou direita. O comando ficava no centro do habitáculo e, portanto, o carro podia ser pilotado tanto pelo ocupante da esquerda quanto pelo da direita. Os freios contavam com o apoio de elementos aerodinâmicos para a redução da velocidade: enormes carenagens escamoteáveis faziam o papel de uma parede contra a passagem do ar.

A propulsão a turbina foi uma das principais apostas da indústria nos anos 50 para mover os carros do futuro.

O Chrysler Turbine chegou a ser testado pelos clientes

Em 1954, a Chrysler iniciou os testes de seu automóvel com este recurso. A montadora acreditava firmemente nesta tecnologia e os primeiros resultados animaram ainda mais seus executivos. Em 1963, os 50 primeiros protótipos foram entregues para a avaliação dos consumidores.

O futuro começava a sair da imaginação para ganhar as ruas. Esses carros, é claro, não se moviam graças à propulsão a jato, como ocorre com os aviões. Seria, obviamente, um desastre para os que ficassem atrás. Na verdade, a turbina transmitia sua força propulsora às rodas através de engrenagens. Os testes continuaram mostrando resultados positivos. Mas o avião terrestre não decolou. Os Turbine produzidos seriam, mais tarde, cruelmente massacrados por enormes prensas – ainda que alguns poucos tenham sobrevivido. Nos anos 80, a Chrysler voltou a testar e aprimorar esta tecnologia, lançando uma nova geração de protótipos. Mas ficou nisso.

Tráfego monitorado por sistemas eletrônicos

Feira Mundial de Nova Iorque mostrou a novidade

Muitas propostas para o futuro levaram em consideração uma perfeita integração entre os automóveis e as vias públicas. Houve quem tivesse apresentado, no entanto, soluções menos complexas. O Cadillac Cyclone, de 1959, era equipado com radares instalados nas extremidades dos para-lamas dianteiros. Com um sinal sonoro e uma luz, eles alertavam o motorista sobre a presença de um obstáculo no caminho – demorou décadas, mas essa tecnologia já está disponível hoje.

Cadillac Cyclone tinha radares nas extremidades dos para-lamas

A capota era feita em peça única em plástico transparente – as capotas panorâmicas seriam presença obrigatória nos carros do futuro – e proporcionava uma visão de 360 graus.

Mas já a partir dos anos 60 a proposta mais comum para a organização do tráfego no futuro era o gerenciamento eletrônico. Sim, é a mesma ideia que começa a ser colocada em prática agora com os carros conectados e a propulsão autônoma. A Ford apresentou um projeto em que prevaleciam largas rodovias munidas de sensores, na época chamados de cérebros eletrônicos.

Os automóveis também teriam esses sensores e o “cérebro” da estrada se encarregaria de manter a distância segura entre os veículos, guiando-os individualmente a seu destino. Ao “motorista” caberia a tarefa de apreciar a viagem, quem sabe tomando um cafezinho – olha aí a condução autônoma. Estes veículos seriam movidos por energia solar, convertida em eletricidade por discos de silício.

Runabout voltava sozinho para casa

Outro carro destinado ao tráfego monitorado por sistemas eletrônicos era o Firebird IV, da GM. O modelo foi apresentado em 1964 na Feira Mundial de Nova Iorque – um evento histórico que em 140 pavilhões reuniu as mais impressionantes tecnologias criadas até então pela humanidade e recebeu nada menos que 51 milhões de visitantes até outubro de 1965.

O Firebird IV vinha equipado com piloto automático, vídeo retrovisor e pequenas asas estabilizadoras. Foi um dos três carros mostrados pela GM na feira. Havia também o GM-X e o Runabout. A previsão era colocar esses protótipos em produção antes de 2000. Os três modelos eram construídos em fibra de vidro, uma tecnologia que a montadora já dominava desde o lançamento do Corvette e que, segundo seus engenheiros, iria substituir o aço.

O GM-X mais uma vez trazia asas estabilizadoras embutidas na traseira que se projetavam para fora no momento da frenagem. Já o Runabout hoje seria uma ofensa à mais convicta das donas de casa. O carro tinha apenas três rodas e seu propósito era levar as mulheres às compras e trazê-las a salvo de volta para o lar. O curioso é que ele podia ser utilizado até mesmo por senhoras habilitadas apenas a “pilotar fogões”, conforme a propaganda da época – se é que eles existiriam. Para isso, o Runabout seria dotado de cérebro eletrônico. Bastava apertar um botão e o carro voltaria para casa sozinho, sem a necessidade de qualquer outra interferência feminina.

Propulsão nuclear ficou nas pranchetas

Se você achou que as três rodas do Runabout não correspondiam às exigências de um carro do século 21, houve quem considerasse melhor ter apenas duas. Em 1961, a maior atração do Salão do Automóvel de Nova Iorque foi o Ford Gyron. Visto de cima, o carro parecia uma asa delta. Mas a característica mais marcante era a opção por duas únicas rodas, assim como nas motos. O equilíbrio era mantido com o auxílio de um giroscópio. O carro dispensava o volante, substituído por botões colocados entre os assentos. Também podia, portanto, ser conduzido por qualquer um dos dois ocupantes.

Ford Gyron tinha três rodas e botões no lugar do volante

Na verdade, os engenheiros do passado nunca chegaram realmente a uma conclusão quanto ao futuro das rodas. O Ford Seattle-ite XXI, de 1962, tinha seis. Para seus projetistas, as quatro rodas dianteiras tornariam mais eficiente a frenagem e tracionariam melhor o carro. O mais interessante, no entanto, é que este modelo já trazia em seu conceito o sistema de navegação interativa por computador – um embrião das centrais multimídias modernas.

Uma solução curiosa era sua fonte de propulsão: a cápsula de potência intercambiável derivada de um dispositivo de propulsão nuclear. Embora sem explicar muito bem como, os engenheiros previam que o proprietário do carro poderia selecionar e substituir as cápsulas de força de acordo com sua necessidade. Assim, teria um propulsor de 50 cavalos para andar no trânsito pesado e outro de 300 cavalos caso quisesse trafegar por uma rodovia expressa.

Seattle-ite XXI apostava na propulsão nuclear

A Ford, de fato, foi uma das que mais se interessou pela propulsão nuclear para mover os carros do futuro. No final dos anos 50, a montadora já havia trabalhado no conceito Nucleon, um automóvel que teria motor alimentado por uma pilha atômica. Para abastecer o carro, bastaria recorrer a um posto, exatamente como fazemos ainda hoje. Os próprios idealizadores assumiam que o Nucleon era apenas uma previsão, já que sua viabilização dependeria da redução do tamanho e peso dos reatores nucleares.

E foi apenas mais uma previsão que acabou não se concretizando. Agora sabemos que, afinal, o século 21 não estava tão distante assim e o automóvel não seria tão agressivamente diferente em suas formas daquele que era visto na metade do século 20. A conquista do espaço e os carros-foguetes caíram no esquecimento. Mas o século 21 ainda trará desafios que deixariam incrédulo o mais criativo engenheiro do passado. Quer um exemplo? Desafetos dos estilistas desde sua criação, os limpadores de para-brisa continuam absolutamente os mesmos. Nenhum progresso conceitual foi feito. A humanidade não evoluiu o bastante. Quem sabe a solução não venha a ser encontrada para os automóveis do século 22?