Especialista atualiza cenário do Right to Repair no Brasil e no mundo

Lucas Torres [email protected]

O mercado de manutenção independente de veículos no Brasil é um dos mais importantes do mundo. De acordo com estudo da WebMotors, mais de 70% dos donos de automóveis no país preferem as ‘oficinas particulares’ às concessionárias oficiais das montadoras. Nosso aftermarket é o quarto maior do planeta. Esta característica do setor nacional, porém, pode ser impactada significativamente caso as montadoras sigam na direção de aproveitar o avanço da conectividade de seus carros para criar barreiras de diagnóstico e reparo por meio do armazenamento dos dados do veículo em ambientes próprios de nuvens. Para evitar a criação deste monopólio e o cerceamento dos direitos do consumidor sobre os produtos que adquiriu, cresce no mundo – e no Brasil – a mobilização em torno do movimento ‘Right to Repair’ (Direito de Reparar). Trata-se da união de empresas e entidades de representação do mercado e do direito para criar leis e regras que obriguem os fabricantes de carros e produtos eletrônicos a garantir as condições para um reparo independente. O tema foi um dos principais focos da Automec 2023 e reuniu dirigentes das entidades da reposição automotiva na elogiada e concorrida palestra da advogada especialista no tema, Raquel Preto. Na apresentação, a fundadora do escritório ‘Preto Advogados’ trouxe as perspectivas internacional e os balizadores legais que poderão servir como trilha para que o aftermarket construa seus argumentos para chegar até o Congresso Nacional e a fim de, como fizeram países como Austrália e Estados Unidos, criar mecanismos que fortaleçam o princípio da livre concorrência e o direito à propriedade. Na esteira da apresentação, conversamos agora com exclusividade com Raquel Preto.

Novo Varejo Automotivo – Quando o tema do direito ao reparo se tornou uma pauta relevante no cenário internacional? Quais foram as medidas da indústria que impulsionaram essa reação dos reparadores?

Raquel Preto – O movimento “Right to Repair” (Direito ao Reparo) se originou em Massachussetts, nos Estados Unidos, nos primeiros anos do século 21, mas é em meados de 2012 que ganha mais força e organização, vinculado ao movimento “Motor Vehicle Owners’ Right to Repair Act”, por meio do qual as montadoras de veículos foram pressionadas a passarem a fornecer às oficinas mecânicas independentes os mesmos manuais e informações de reparos que eram disponibilizados às autorizadas. Desde então, o movimento se expandiu para outros países e também para outros setores econômicos em que consumidores ficam aprisionados em redes vinculadas aos fabricantes de produtos complexos, tão logo os consumidores começaram a perceber que seus direitos de uso e fruição dos bens adquiridos estavam ameaçados diante de inúmeras e diferentes restrições que vinham sendo criadas por parte dos fabricantes sobre o reparo dos seus produtos. Além do setor automotivo, outros setores também estão dentro deste contexto, como é o caso de smartphones, equipamentos de tecnologia, equipamentos agrícolas etc. Foi um movimento de aglutinação de consumidores em resposta às práticas de obsolescência programada e restrições impostas por fabricantes que dificultavam ou até impossibilitavam a reparação de produtos pelos próprios usuários ou por técnicos independentes, obrigando que o reparo fosse realizado apenas pelos fabricantes ou autorizadas.

NVA – Quais países já possuem legislação para combater os bloqueios à reparação independente?

RP – O Direito ao Reparo vem sendo crescentemente reconhecido e regulado normativamente em específico, ainda que de maneiras diferentes. Mas fato é que muitos países já aprova ram legislações específicas ou realizaram alterações em leis ou códigos vigentes, tais como o estado de Massachusetts, nos Estados Unidos, África do Sul, União Europeia, Alemanha, França, Itália, Espanha, Reino Unido e Austrália. Atualmente, a África do Sul, o estado de Massachusetts e a Austrália já possuem legislação vigente específica relativa ao setor automotivo, com o objetivo de combater as restrições à reparação independente. Outros países também já realizaram alterações diversas na legislação, ainda que não seja sobre o setor automotivo especificamente, mas são normas que estão relacionadas com o Direito ao Reparo, por tratarem de direito do consumidor, direito concorrencial e sustentabilidade.

NVA – A utilização de mecanismos que dificultam o reparo de um automóvel infringe a legislação brasileira em quais aspectos?

RP – As restrições impostas aos consumidores e reparadores afrontam e desrespeitam diversos aspectos da legislação brasileira, tais como: o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil, as leis de livre concorrência e as garantias constitucionais de cidadãs e cidadãos brasileiros. O Direito ao Reparo (Right to Repair) está diretamente ligado à superação da obsolescência programada e aos princípios da ordem econômica, tais como a defesa do meio ambiente e sustentabilidade, a livre concorrência e a defesa do consumidor, além do abuso de propriedade industrial.

NVA – Durante a Automec 2023, você comentou sobre a relação do Direito ao Reparo com a sustentabilidade. De que maneira as duas questões estão interligadas?

RP – O Direito ao Reparo e a sustentabilidade estão sem dúvidas diretamente relacionados. Isto porque, à medida que os fabricantes dificultam e burocratizam o reparo, desestimulam o aumento da vida útil dos produtos e tentam conter e mitigar a boa e saudável configuração do mercado, dos negócios de maneira mais racional, tranquila e com aproveitamento de bens e insumos, o que é a base do próprio conceito de economia circular. Lembrando que o conceito de “economia circular” pressupõe um desenvolvimento econômico vinculado a um melhor uso de recursos naturais, por meio de novos modelos de negócios e da otimização nos processos de fabricação com menor dependência de matéria-prima virgem, e sempre priorizando insumos mais duráveis, recicláveis e renováveis. O direito ao reparo é um mecanismo apto a driblar a obsolescência programada, que é uma ferramenta estratégica utilizada pelos fornecedores a fim de, propositalmente, tornar um produto obsoleto, com a finalidade de forçar o consumidor a adquirir um novo produto. É, portanto, a resposta para a busca de um equilíbrio ambiental e mais sustentável

NVA – Temos alguma pauta no Congresso que busque solucionar esse impasse do Direito ao Reparo? Em que estágio ela está?

RP – Atualmente existem alguns projetos que pretendem tratar do assunto, mas são mais restritos, ainda que tenham foco em temas que mereçam uma atenção maior, como por exemplo o prazo para manutenção de peças de reposição quando um produto para de ser fabricado, e outro que impõe aos fabricantes que forneçam manuais de reparo aos reparadores independentes. Mas o Brasil ainda não tem uma lei única e tratando especificamente desse tema. Então, existem apenas alguns projetos bastante restritos que buscam solucionar esses impasses mais específicos, mas não há uma única proposta para solucionar todas as questões envolvendo o Direito ao Reparo.

NVA – Como você tem visto a força de lobby das montadoras incidir sobre os legisladores de diferentes países a fim de evitar a aprovação de projetos que instituam o Direito ao Reparo? RP – Ainda que haja força por parte do lobby que montadoras possam fazer em diferentes países, especialmente no contexto de Estados Unidos, onde essa é uma tradição forte para um segmento de relevo por lá, nos países europeus isso já não tem o mesmo contexto. Fato é que o eventual lobby de montadoras não tem conseguido brecar totalmente a proteção aos direitos de seus clientes e não conseguirá conter a força do pensamento e das convicções de milhões e milhões de consumidores que vão se unindo ao redor da ideia de que grandes fabricantes não podem restringir os direitos dos consumidores adquirentes de boa-fé de seus produtos. Evidentemente eles têm tido alguma eficiência em retardar a velocidade das trans – formações e da produção de leis e normas, mas a percepção é de que isso está mudando, até mesmo por conta das milhares de disputas judiciais envolvendo fabricantes dos mais diversos segmentos e milhões de consumidores, que têm revelado o abuso de poder econômico, entre outras coisas. Veja-se também que na Europa existe uma grande preocupação governa – mental com a questão ambiental e busca de uma economia mais circular, por isso ali tem surgido com um pouco mais de velo – cidade alguma legislação nesse sentido, de caráter genérico.

NVA – Como ocorreu sua aproximação com as entidades representantes do aftermarket automotivo? Vocês estão desenvolvendo um trabalho recorrente? Em que estágio ela está? RP – Atualmente existem alguns projetos que pretendem tratar do assunto, mas são mais restritos, ainda que tenham foco em temas que mereçam uma atenção maior, como por exemplo o prazo para manutenção de peças de reposição quando um produto para de ser fabricado, e outro que impõe aos fabricantes que forneçam manuais de reparo aos reparadores independentes. Mas o Brasil ainda não tem uma lei única e tratando especificamente desse tema. Então, existem apenas alguns projetos bastante restritos que buscam solucionar esses impasses mais específicos, mas não há uma única proposta para solucionar todas as questões envolvendo o Direito ao Reparo. NVA – Como você tem visto a força de lobby das montadoras incidir sobre os legisladores de diferentes países a fim de evitar a aprovação de projetos que instituam o Direito ao Reparo? RP – Ainda que haja força por parte do lobby que montadoras possam fazer em diferentes países, especialmente no contexto de Estados Unidos, onde essa é uma tradição forte para um segmento de relevo por lá, nos países europeus isso já não tem o mesmo contexto. Fato é que o eventual lobby de montadoras não tem conseguido brecar totalmente a proteção aos direitos de seus clientes e não conseguirá conter a força do pensamento e das convicções de milhões e milhões de consumidores que vão se unindo ao redor da ideia de que grandes fabricantes não podem restringir os direitos dos consumidores adquirentes de boa-fé de seus produtos. Evidentemente eles têm tido alguma eficiência em retardar a velocidade das trans – formações e da produção de leis e normas, mas a percepção é de que isso está mudando, até mesmo por conta das milhares de disputas judiciais envolvendo fabricantes dos mais diversos segmentos e milhões de consumidores, que têm revelado o abuso de poder econômico, entre outras coisas. Veja-se também que na Europa existe uma grande preocupação governa – mental com a questão ambiental e busca de uma economia mais circular, por isso ali tem surgido com um pouco mais de velo – cidade alguma legislação nesse sentido, de caráter genérico.

NVA – Como ocorreu sua aproximação com as entidades representantes do aftermarket automotivo? Vocês estão desenvolvendo um trabalho recorrente?

 RP – Nosso escritório existe e atua há 30 anos em questões empresariais complexas, assessorando empresas e entidades representativas de setores econômicos e é reconhecido por ser capaz de conceber estratégias de movimentação diferenciadas e soluções jurídicas diversas para problemas com – plexos, bem como por ganhar causas relevantes e de impacto e também por atuar com bastante eficiência junto ao Legislativo e Executivo, fazendo também advocacy técnico-jurídico em favor de transformações legislativas e regulatórias. Por isso, entidades do aftermarket automotivo nos procuraram há alguns anos para que fizéssemos análise de cenários variados, bem como para que pudéssemos assessorá-las nessas trans – formações das relações entre fabricantes e fornecedores, bem como pudéssemos estabelecer ações concretas em nosso país diante da evolução desse cenário, assim como para que pudéssemos acompanhar o movimento que já existe e está se consolidando no mundo e que também surge crescentemente forte no Brasil, orientando as melhores escolhas para todos os envolvidos. Nesse momento, por exemplo, estamos colaborando com a propagação das melhores informações técnicas e históricas sobre o Right to Repair, analisando os embates entre consumidores e fabricantes no Brasil e colaborando para a conscientização dos consumidores sobre seus direitos.

NVA – Como o aftermarket automotivo brasileiro está se articulando para conseguir que medidas práticas em torno do Direito ao Reparo sejam tomadas pelo Congresso Nacional? Existe uma previsão de quando o tema chegará a uma comissão especial, por exemplo?

RP – O aftermarket está formando alianças importantes entre as maiores organizações e instituições que envolvem o setor e tem feito interlocução com outros segmentos econômicos, inclusive, sempre com o objetivo de mais e melhor esclarecer a todos sobre o direito de reparar. Isso tudo com a proposta de congregar interesses para que o direito ao reparo seja completamente compreendido, absorvido e amplamente respeitado no Brasil. E, claro, acompanhando crítica e responsavelmente toda e qualquer evolução que surja no Legislativo brasileiro sobre o tema, bem como no Executivo, prontos a intervir apresentando propostas de regulação que sejam modernas, racionais, equilibradas e absolutamente respeitosas com a cidadania brasileira e os seus direitos de consumidor e também com o efetivo res – peito ao melhor para o meio ambiente, para as relações de em – prego e uma concorrência em mercado racional e equilibrada

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