Geraldo Santo Mauro participou ativamente das principais conquistas do mercado de reparação automotiva. Com mais de 50 anos de experiência no mercado, ele sempre teve muito a dizer. Em março de 2007, apenas seis meses antes de sua morte, o líder falou à Mais Automotive
Redação Novo Meio
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Líder associativo, empresário pioneiro, Geraldo Santo Mauro militou mais de 50 anos no segmento da reparação automotiva – aliás, ele nasceu numa oficina – e desde que iniciou suas atividades ajudou a organizá-lo, criando associações, dando voz e representatividade ao setor e contribuindo para a profissionalização dos reparadores.
Em março de 2007, a Mais Automotive publicava entrevista exclusiva em que Santo Mauro recordava momentos marcantes de sua história e do setor automotivo. Ele morreria apenas seis meses depois, deixando um legado de lutas e conquistas para o setor.
Mais Automotive – Quando o senhor começou na reparação?
Geraldo Santo Mauro – Desde que nasci. A parteira fez o parto dentro da oficina do meu pai, em Santana, chamada Mecânica São Luis, que era o nome do meu avô. Nós morávamos nos fundos. Foi lá que eu nasci, em 1934. E nunca mais saí do ramo. Aos 14 anos comecei a trabalhar numa casa de peças do meu pai, que funcionava em horários alternativos. Ele foi o precursor do atendimento aos sábados, domingos e feriados até meia-noite. Esse perfil de autoelétrico que existe hoje foi uma criação do meu pai mais ou menos em 1944.
Depois disso trabalhei num posto de gasolina e daí com Ernesto Trivellato. Com ele comecei a aprender o que era o mercado. Depois de um ano, voltei para a casa de peças do meu pai, saí novamente, fui trabalhar numa empresa de transporte e, aos 27 anos, retornei ao setor de oficina. Montei na avenida Santo Amaro uma empresa chamada Só Motor, que vendia motores Volkswagen à base de troca. Depois começamos a fazer retífica de motores de outras marcas e a empresa passou a se chamar Motor Lux. Nela fiquei até 1983, quando saí para assumir o Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios da Cidade de São Paulo, em 1984. Ainda não se chamava Sindirepa. Aliás, devo reconhecer publicamente que esse nome foi dado pelo Mário Penhaveres Baptista, que era membro da antiga diretoria, e para abreviar o nome da entidade ele escrevia nas pastas Sindirepa. Adotamos o nome.
MA – Foi nessa época que começou seu envolvimento político com o setor?
GSM – O começo foi em 1976, quando formamos um grupo de pouco mais de 15 empresários do setor de retífica e criamos a Aparem – Associação Paulista de Retíficas de Motores. Mas representava somente as retíficas. Com o Sindirepa tínhamos uma representatividade mais abrangente para todo segmento de reparação, só que limitado à cidade de São Paulo. Na minha gestão expandimos a base territorial para o estado e participei da fundação dos sindicatos de Minas Gerais, Brasília, Paraná, Santa Catarina, Pernambuco, Pará, Acre, Rondônia, Roraima, Tocantins. Os sindicatos que já existiam antes disso eram do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. Hoje estamos organizados em 19 estados, incluindo Bahia, Rio Grande do Norte, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul. Com essas entidades fundei em 1989 a Abrive – Associação Brasileira das Reparadoras Independentes de Veículos. Toda essa expansão surgiu em função do programa do álcool, nos anos 80. Se não tivéssemos organizado essa estrutura, o setor não teria nenhuma representatividade hoje. Com isso nos aproximamos da Anfavea, do Sindipeças, do Sincopeças, e passamos a ter assento nas decisões.
MA – Quais foram as grandes conquista do setor nesse período?
GSM – O mais importante foi conquistar espaço para participar das discussões importantes do setor automotivo. E também fazer com que o reparador fosse reconhecido como elo da cadeia, já que somos a ponta final. Creio que 90% do setor reconhecem meu trabalho. E sabem que é um trabalho voluntário.
MA – Como se desenvolveu o processo de expansão da representatividade do setor para a América Latina?
GSM – A expansão para América Latina aconteceu a partir de um encontro que tivemos no Uruguai, com a Argentina. Fundamos a Alarepa e além do Brasil, Argentina e Uruguai também participaram Paraguai, Bolívia, Venezuela, Colômbia e México. Mas o que aconteceu foi que o representante da Venezuela achou que deveria ser o presidente. A Argentina nos apoiou no voto contrário a essa intenção. Só que o cidadão estava imbuído dessa intenção, mas ele representava um mercado sem expressão. Para evitar confusão, retirei a participação da Abrive e a Alarepa simplesmente deixou de existir. Essas são pessoas que participam mais pela vaidade pessoal do que para lutar pela realidade dos setores que eles representam em seus países.
MA – Os problemas nesses países eram semelhantes?
GSM – Não. O mais próximo é a Argentina. O Uruguai tem uma frota totalmente importada. Bolívia é um país pobre. A Venezuela é outra frota de sucata. Colômbia também. O México tinha uma similaridade com a frota norte-americana. A entidade nasceu em 2003 e durou três anos. Só o meu mandato.
MA – Uma de suas iniciativas foi trazer a ASE para o Brasil. Qual foi o objetivo?
GSM – O mercado cada vez mais vai exigir qualificação. O que a gente procura, através de certificações como a ASE, é oferecer transparência e informação para o consumidor. O Conselho ASE Brasil é constituído por importantes empresas do setor automotivo e traz contribuições técnicas para a elaboração de testes. Este apoio mostra a importância que a capacitação de profissionais tem frente ao mercado. A ASE avalia a qualidade do profissional. Trouxe essa idéia dos Estados Unidos. Até meados dos anos 70, os consumidores norte-americanos não tinham meios de distinguir mecânicos competentes dos aventureiros. Em 72 foi criada a ASE – Automotive Service Excellence para suprir essa necessidade. Hoje são mais de 600 mil profissionais certificados nos Estados Unidos. Introduzimos a ASE no Brasil e já certificamos 34 mil profissionais que atuam em todos os segmentos do setor automotivo, entre eles concessionárias de veículos leves, caminhões, ônibus, oficinas independentes, centros automotivos, frotistas, indústria e comércio de autopeças, franquias e outros. A certificação da capacidade técnica desses profissionais pela ASE proporciona maior confiabilidade, segurança e qualidade aos consumidores.
MA – E porque os profissionais devem ter a certificação?
GSM – Temos essa informação inclusive como um mandamento “As 10 melhores razões pelas quais profissionais automotivos devem buscar a certificação”, que são: 1º – A certificação, confere credenciais profissionais ao reconhecer seus conhecimentos individuais. A certificação serve como estímulo imparcial, confirmando o seu conhecimento, habilidade e experiência no país e, em alguns casos, até no plano internacional. 2º – A certificação confirma sua dedicação à indústria de reparação automotiva. Ao receber a certificação, você demonstra aos colegas, supervisores, clientes e ao público em geral, a dedicação voltada para a profissão que você escolheu. Simultaneamente prova a habilidade de trabalho sob normas e níveis estabelecidos pela indústria. 3º – A certificação valoriza a imagem da profissão. O programa de certificação busca cultivar, promover e desenvolver profissionais que sejam exemplares para a indústria de serviços e reparação automotiva em geral. 4º – A certificação reflete êxito. A certificação reflete o êxito pessoal de um profissional, demonstrando capacidade e experiência em sua área, de acordo com as indicações técnicas estabelecidas pela indústria. 5º – A certificação promove segurança e orgulho pessoal. Conquistar a certificação é reafirmar tua dedicação à carreira de profissional automotivo, e ainda consolidar a satisfação pessoal e o progresso em sua profissão. 6º – A certificação amplia as oportunidades em sua carreira. A certificação pode distinguí-lo entre os demais para uma promoção, assim como pode oferecer oportunidades em sua carreira, pois o identifica como um profissional que demonstra interesse pelo conhecimento tecnológico das áreas que você pratica. 7º – A certificação pode propiciar melhores oportunidades de ganho. Um grande número de profissionais certificados tem sido reconhecido por seus superiores, como merecedores de condições diferenciadas através de melhores salários, levando sempre em conta, o número de certificações obtidas. 8º – A certificação estimula a habilidade e o conhecimento. Para obter a certificação, é exigida a preparação do profissional, forçando a atualização de seus conhecimentos, em razão dos constantes avanços da tecnologia automotiva. 9º – A certificação lhe conduz a maiores responsabilidades no trabalho. O profissional certificado se conscientiza de sua permanente necessidade de conduzir os problemas técnicos a sua verdadeira e única solução, seria como dizer, que você se sente mais responsável perante os outros. E 10º – A certificação oferece maior reconhecimento perante seus colegas. Como profissional automotivo certificado, serás referência entre seus colegas, clientes e público em geral.
MA – Entre iniciativas de organizar o mercado, aprimorar seus profissionais, que outras iniciativas o senhor citaria?
GSM – Participei inclusive da transformação dentro do Senai para atender o setor automotivo. No máximo eles atendiam o interesse das montadoras, ensinando os profissionais a trabalhar na fábrica. Consegui vários cursos e convênios para os reparadores. E creio que meu maior mérito foi ter sido um motivador de desenvolvimento e de abertura de espaço para o setor. Levei para o exterior o nome da reparação brasileira, em vários congressos e encontros, até na ONU.
MA – Qual a sua expectativa para o futuro e quais as suas recomendações para o mercado?
GSM – O futuro é incerto. Ele luta contra o trabalho incessante do avanço da tecnologia automotiva. Inúmeros problemas do passado hoje já são detectados eletronicamente. Isso reflete no nosso setor e também depura o mercado. Assim, a tendência é a demanda de serviços diminuir cada vez mais. O crescimento vegetativo só vai ocorrer com o crescimento da frota. Por isso, espero que o mercado se aprimore, porque será exigida maior capacidade do profissional e daí o grande auxílio do Senai. A recomendação que fazemos aos reparadores é que procurem identificar uma linha a seguir e parcerias com bandeiras, com serviço autorizado. Vejo que vai ser muito difícil nos próximos cinco anos e poucos conseguirão sobreviver sozinhos, mesmo assim não terão longevidade.