Tecnologia trouxe consolidação à reparação de veículos pesados

Lucas Torres

Trazemos para você uma entrevista exclusiva com o diretor do Sindirepa-SP linha pesada, Ricardo Nonis.

No bate-papo, o convidado refletiu sobre o impacto da evolução da tecnologia aplicada aos motores diesel destes veículos no ecossistema de reparação, destacando o movimento de consolidação gerado pela maior complexidade resultante desta transformação. “Nem todos estavam ou ainda estão preparados para lidar com a complexidade da eletrônica e da tecnologia aplicada, principalmente ao motor e seu gerenciamento. Os custos envolvidos também fizeram uma ‘seleção natural’ de reparadores capazes de suportar a nova atividade”, afirmou Nonis.

Ainda neste contexto, o diretor do Sindirepa-SP analisou as separações, segundo ele, claras, entre os reparadores voltados ao mercado frotista e os profissionais dedicados aos veículos autônomos, marcadas pelas diferenças de custos e tecnologias entre ambos – dado que, por exemplo, a média de idade dos primeiros gira em torno dos 10 anos enquanto que dos segundos está na casa dos 22 anos. Além dos caminhões, Nonis falou ainda sobre o segmento dos ônibus, que tem experimentado um processo progressivo de amadurecimento do modal eletrificado. Ficou curioso para fazer essa imersão no mundo da reparação dos pesados? Confira abaixo a íntegra da entrevista.

Mais Automotive – Como a mudança dos sistemas mecânicos para os eletrônicos modificou o cenário da manutenção de pesados no país? Ricardo Nonis – Motores e veículos se tornaram mais complexos devido à eletrônica embarcada e a tecnologia ap cada aos motores. Motores e veículos deram um grande salto no custo de reparação, pois as peças passaram a ser muito mais caras e, devido à complexidade, os serviços também ficaram mais caros. A complexidade levou a uma maior necessidade do reparador buscar novos treinamentos e aprendizados. Os custos envolvidos aumentaram os riscos para o reparador. Motores eletrônicos apresentam maior durabilidade que os mecânicos. A substituição gradual dos motores mecânicos pelos eletronicamente gerenciados provoca imediata queda no volume de reparações que só pode ser compensada se houver aumento da frota circulante. Em contrapartida, a necessidade de reparações elétricas e eletrônicas no veículo aumentou muito em relação ao passado.

Mais Automotive – A sofisticação dos modelos de caminhões fez uma espécie de ‘seleção natural’ nos players da reparação deste nicho? Houve um movimento de consolidação, com oficinas deixando o mercado outras ganhando mais espaço?

 Ricardo Nonis – Sem dúvida, nem todos estavam ou ainda estão preparados para lidar com a complexidade da eletrônica e da tecnologia aplicada, principalmente ao motor e seu gerenciamento. Os custos envolvidos também fizeram uma ‘seleção natural’ de reparadores capazes de suportar a nova atividade.

Mais Automotive- Segundo dados, temos no Brasil uma frota bastante heterogênea quando falamos de caminhões. A idade média desses veículos nas mãos de empresas, por exemplo, é de cerca de 10 anos. Já aqueles pertencentes aos autônomos têm aproximadamente 22. Como isso impacta o aftermarket? Temos, por exemplo, oficinas que atendem quase exclusivamente os autônomos e outras que atendem os frotistas? Ricardo Nonis – Devido aos custos dos veículos mais novos e custos de reparação destes veículos, fica cada vez mais difícil ao autônomo renovar seu veículo. Muitas vezes consegue renovar, mas adquirindo um veículo menos antigo do que o seu e não comprando um novo. Muitas vezes, este cliente busca a reparação mais econômica, nem sempre muito eficiente. Por outro lado, frotistas têm planejamento e às vezes a obrigação legal de continuarem a renovar os veículos. Parte da frota goza do período de garantia e parte deve se valer de reparadores de maior competência e maior poder econômico. Este perfil de cliente é bastante assediado pelas montadoras por meio de suas redes de concessionárias devido ao maior poder econômico, fazendo maior pressão sobre o aftermarket independente. O reparador que atende as frotas normalmente deve ser mais preparado tecnicamente e comercialmente, deve ter uma estrutura mais formal e complexa, e ter um poder econômico maior. Reparadores especializados em atender frotistas dificilmente conseguem atender clientes autônomos devido a seus custos mais elevados. Por outro lado, reparadores que normal mente atendem a autônomos, dificilmente conseguem atender a clientes frotistas devido à complexidade dos veículos mais novos e custos de peças mais elevados.

Mais Automotive- Quando falamos de pesados, também falamos de ônibus, obviamente. E este talvez seja o nicho em que a eletrificação tem avançado com mais consistência no país entre todos os outros que compõem os nossos modais de mobilidade urbana. Como o país está se preparando para fazer a manutenção desses veículos? Qual será o envolvimento da manutenção independente neste processo?

Ricardo Nonis – Certamente, é uma tendência no transporte de passageiros, principalmente urbano. Decisões extremamente precipitadas de autoridades que impõem ao empresário de transporte uma solução ainda longe de estar bem resolvida. Muito da manutenção dos ônibus é realizada pelo próprio frotista que deverá se preparar e instruir sua equipe às novas necessidades e ao perigo envolvido na manutenção destes veículos elétricos. Ao reparador independente pouco restará a fazer nestes veículos elétricos, uma vez que conjuntos como motor à combustão e componentes da transmissão deixarão de ser reparados. Eletricistas, mecânicos de sus – pensão, freios, rodas / pneus continuarão a ser solicitados, mas deverão se aperfeiçoar e aprender a lidar com a nova tecnologia e seus perigos.

Mais Automotive – Da pandemia para cá, vimos que o segmento de veículos leves tem sofrido bastante com a escassez de peças e questões do tipo. Os pesados, sobretudo os caminhões, também enfrentam ou enfrentaram este problema em algum grau?

Ricardo Nonis – Durante e logo após o término da pandemia, a falta de peças foi bastante grave. Hoje, temos uma situação mais normalizada, ainda com alguns problemas pontuais. Nosso mercado ainda sofre com a escassez de fornecedores confiáveis e excesso de fornecedores de qualidade duvidável que aplicam preços milagrosos, prejudicando os reparadores e revendedores sérios.

Mais Automotive- Gostaria que você falasse conceitualmente sobre a questão da manutenção preventiva no âmbito dos pesados. O fato desses veículos serem utilizados majoritariamente para atividades comerciais, na comparação com os leves, faz com que a manutenção preventiva tenha uma parcela maior das demandas neste universo?

Ricardo Nonis – A manutenção preventiva no veículo pesado, além de ser uma questão econômica importante, se trata de uma questão de segurança fundamental no trânsito. Se um veículo apresenta defeito que pode – ria ter sido sanado preventivamente, provoca custos ope – racionais adicionais, custo de deslocamento de mecânico ou de remoção do veículo, além da falta junto ao cliente. Um veículo pesado é perigoso, se falha e provoca um acidente, além do grande mal que pode provocar às pessoas envolvi – das, pode trazer graves “dores de cabeça” aos operadores do transporte. Os reparadores percebem que a responsabilidade na manutenção preventiva não é a mesma de antigamente. Não podemos generalizar, mas temos muitos veículos pesados fumaceando demais e visivelmente de aparência bastante questionável. A fiscalização das autoridades é rara e a falta de inspeções veiculares é uma penalidade grave na legislação do país que nos deixa muito atrás dos países desenvolvidos e de até países vizinhos de poder eco – nômico muito menor.

Mais Automotive – Por fim, gostaria de reforçar essas reflexões sobre legislação e regulamentação. No âmbito dos leves, o aftermarket tem brigado há anos pela introdução de uma inspeção técnica veicular recorrente. Os pesados têm uma maior atenção das autoridades nesse sentido? Quais regulamentações incidem sobre a segurança (viá – ria e ambiental) desses automóveis e, por conseguinte, geram demanda na cadeira de manutenção? Ricardo Nonis – A legislação e a vontade política são falhas. Além da aparência, praticamente não há obrigações sobre a manutenção dos veículos. Raramente as autoridades controlam estado de sinalizações (lâmpadas) e estado dos pneus nos veículos. Algumas poucas agências reguladoras de transporte de passageiros controlam a atividade de frotistas. Como podemos garantir a segurança das pessoas no trânsito se não temos inspeção veicular? Se não temos inspeção de freios, de caixa de direção, estado de pneus e rodas, se não controlamos as emissões que causam doenças na população? Como podemos garantir que o conjunto de escapamento não caia na estrada atingindo os carros que vêm logo atrás? Veículos leves ou pesados são armas no trânsito quando seus motoristas são imprudentes na direção ou relaxados na manutenção. Sem dúvida, no caso dos pesados o problema é ainda mais sério devido ao peso e tamanho envolvidos. Certo que o setor de reparação seria beneficiado com programas de inspeção veicular, mas certamente nossa segurança seria a maior beneficiada com este tipo de atitude. Não dá simplesmente para deixarmos no bom senso de cada um as necessidades da manutenção preventiva, principalmente dos itens de segurança. Normalmente, quem paga com a vida é o inocente e não o culpado pela imprudência. A inspeção veicular se faz necessária. O impedi – mento de circulação de veículos impróprios e a punição de imprudentes são questões primordiais. É uma questão de segurança, de saúde pública

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