Lucas Torres [email protected]
Saber navegar entre as questões conjunturais de uma economia instável como a brasileira e as dinâmicas próprias de um setor em profunda transformação como o varejo é um enorme desafio com o qual empreendedores e investidores têm de lidar diariamente. Uma das principais questões para reflexão neste contexto é o contraste do ótimo desempenho das empresas varejistas brasileiras com as dificuldades dos consumidores. Afinal, mesmo diante de uma inflação de dois dígitos nos últimos 12 meses, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o primeiro quadrimestre de 2022 trouxe uma alta de 2,3% na comparação com o mesmo período do ano passado no varejo geral, e de 1,4% no varejo ampliado, onde estão incluídos produtos como veículos, motos, partes, peças e materiais de construção. Será que estes indicadores positivos mostram um varejo prestes a decolar em definitivo assim que a economia brasileira se estabilizar?
Para Flávia Pini, diretora de branding awareness da HiPartners Capital & Work – empresa investidora em startups focadas em soluções para os varejistas –, a lógica não é assim tão simples. Isso porque, de acordo com a executiva, o bom momento do setor tem na ansiedade de uma demanda reprimida por dois anos e em medidas anticíclicas do governo alguns de seus principais propulsores, fotografia que a faz questionar “até quando esta situação será sustentável?”.
Segundo Pini, a lua de mel não deve durar até 2023, ano que exigirá parcimônia e equilíbrio de todas as pontas envolvidas como varejo – de consumidores a empresários. Mas será que todas as empresas do setor precisam, necessariamente, navegar juntas na velocidade e na direção em que sopram os ventos da conjuntura econômica? Em entrevista exclusiva ao Novo Varejo, a executiva disse que não e que a forma com que os gestores responderão aos chamados à inovação e irão se alinhar com as novas tendências do consumo pode desempenhar papel decisivo no resultado de cada um dos negócios. Quer saber o que os investidores projetam para os próximos passos do varejo a partir deste segundo semestre?
Confira a íntegra da entrevista.
Novo Varejo – O varejo, em quase todos os seus segmentos, tem tido um desempenho satisfatório em 2022. Para boa parte dos analistas, estes números positivos são surpreendentes, considerando problemas como a inflação e o alto endividamento dos consumidores. Como você enxerga este contraste?
Flávia Pini – Olha, até para o varejo este desempenho foi impressionante. Temos conversado com alguns players do setor e, principalmente no caso daqueles que são dos setores de moda, o relato é que eles estão quebrando recordes atrás de recordes. O que acontece é que, óbvio, existe uma demanda reprimida. A gente está voltando a uma vida normal – e isso tem feito com que segmentos como, de novo, moda, beleza, calçados e até óticas tenham crescimentos exponenciais na comparação com os momentos mais agudos da pandemia. Ao mesmo tempo, como você destacou, existe uma inflação gigantesca ocorrendo, não só no Brasil, mas também em outros lugares do mundo, como nos Estados Unidos. Quando falamos do mercado doméstico, a resposta para o bom desempenho está na soma da demanda reprimida com algumas ações anticíclicas por parte do governo, cujo efeito foi injetar dinheiro e permitir que o consumidor ainda consiga comprar. Para o varejo, porém, a pergunta que fica diante deste cenário é: até quando essa situação será sustentável?
NV – Pois é! E esta é a questão que repasso para vocês. Como investidores, o que esperam do desempenho real do varejo no médio e longo prazo?
FP – 2021 foi o ano da retomada e 2022 tem sido quase um ano da vingança. Ou seja, um período em que as pessoas estão se endividando para consumir aquilo que não puderam durante os momentos mais agudos da pandemia. Então, 2023, inclusive juntando com a questão econômica e política, talvez seja um ano de mais parcimônia e equilíbrio. Porque, embora devamos ter uma cadeia de suprimentos mais equilibrada e, por consequência, uma capacidade maior do varejo em atender a demanda, nós teremos um consumidor mais cauteloso e mais endividado por esses movimentos não-sustentáveis. É importante que o varejista antecipe este movimento para se preparar para um período de menor crescimento, diferente destas altas de dois dígitos que estamos observando em termos de fluxo, vendas e faturamento.
NV – Como se preparar para estes momentos em que o dinheiro do consumidor é mais escasso e a competição tende a se acentuar? Há dois anos, por exemplo, tivemos um chamado quase universal para que os varejistas se digitalizassem a fim de superar a barreira do distanciamento social. Hoje, temos visto o ciclo se inverter, com grandes players do e-commerce como a Amazon apostando no varejo físico. Onde estão as respostas para este novo momento? FP – Chega a ser engraçado, não é? Como pode o empresário que fechou a loja durante os momentos mais agudos da pandemia, tendo que se digitalizar rapidamente, estar se vendo em uma posição em que é preciso reabrir lojas físicas? Na nossa visão, este movimento é fruto de uma mudança de papel da loja física que tem passado a influenciar diretamente nos resultados dos varejistas. Afinal, se antigamente o papel deste espaço era só o da venda de produtos, hoje ele está diretamente envolvido em questões como logística e experiência. Nem sempre o consumidor sai da loja com a sacolinha. Temos visto muitas lojas apostando, por exemplo, no conceito de guide shop – usando a loja para permitir ao cliente conversar com o vendedor, observar e experimentar os produtos para que, munido disso, ele possa comprar seus itens e recebê-los em casa. Outro ponto importante da loja física é o fato dela ter uma vantagem naquilo que chamamos de ‘Custo de Aquisição do Cliente’. Quando você vai para o ambiente digital, você acaba entrando em uma ‘guerra muito cara’ para conseguir o cliente. Na loja física essa disputa, apesar de também ser intensa, é mitigada por questões como o fato de você poder ganhar clientes que estão trafegando pela rua. Independente da conjuntura do país, quem seguir essas tendências deverá ter resultados melhores.
NV – Qual segmento do varejo pode ser visto como o maior campo de ‘inspiração’, de benchmark, para os demais? FP – Pelo que eu vejo, os maiores consumidores de tecnologia e inovação são os players de moda. E quando digo moda, não me refiro apenas a vestuário, e sim a tudo que cerca beleza e bemestar. Vemos, por exemplo, a Renner comprando uma empresa de logística porque sabe que o Last Mile e a conveniência são grandes dores dentro de todos os serviços da transformação digital. Vemos também outras empresas grandes do setor adquirindo ou fazendo parcerias com negócios de RP, trazendo este core tecnológico para dentro do seu negócio. Todas elas estão entendendo que o prefixo das empresas inovadoras mudou: não é mais RetailTech, é TechRetail; não é mais FinTech, é TechFin – porque a tecnologia cada vez mais vem primeiro e está guiando todo o core dos negócios. No caso do varejo, este conceito se encaixa de diversas formas: muitas vezes a loja vai precisar de solução de crédito; de uma frente de loja que aceita Pix; ou, no caso de uma autopeças, como entrego peças grandes, como um pneu, e soluciono estes desafios logísticos? Olhando para estes players de moda, que já têm muitos anos de estrada nesse caminho de digitalização, é possível encontrar algumas respostas.
NV – A inovação no varejo não se dá apenas na adoção de plataformas e processos tecnológicos. Afinal, muito se fala sobre ‘as pessoas serem a alma do varejo’. Neste contexto, como os vendedores se encaixam nesta jornada de adaptação? FP – Uma das empresas em que investimos se chama ‘Born Logic’, que, basicamente, se propõe a fazer a transformação do vendedor para esta era digital. Hoje o vendedor que está na loja física não precisa estar fisicamente limitado. Digamos assim. Ele pode atuar em diversas frentes: gerar conteúdo de dentro da loja para as mídias sociais em tempo real, sabendo do estoque e das movimentações do entorno; pode também, é claro, atender o cliente na loja física; além disso, ele também pode vender online por meio de um chat de e-commerce.
NV – Temos visto um aumento significativo das aquisições no varejo, um movimento que tem sido tratado como ‘consolidação’ dentro do qual as empresas mais estruturadas acabam forçando a saída daquelas que não se adaptaram a um novo momento. No entanto, nosso ambiente varejista sempre foi marcado pela pluralidade. Como manter essa característica histórica ante este chamado por tecnologia e inovação?
FP – Nós investimos em empresas que fornecem soluções para varejo. Temos um fundo que está em um processo de investimento, buscando de 10 a 15 startups que tenham serviços e soluções disruptivas para ajudar o varejista. Nossa missão é democratizar a tecnologia, permitir que os serviços estejam disponíveis para o pequeno, para o médio e para o grande. Isso porque, na nossa visão, as soluções não podem ficar restritas apenas a este núcleo dos grandes varejistas. E eu acho que isso tem, aos poucos, acontecido. Afinal, as startups surgem justamente para fugir destes modelos engessados de grandes plataformas que existem no mercado com meios de cobrança diferentes – com custos atrelados à performance e sem um custo fixo. NV – Que ‘kit de sobrevivência’ você daria para os varejistas, a fim de que possam sobreviver à soma de toda esta instabilidade conjuntural e ao chamado cada vez mais urgente por inovação? FP – Minha dica é: fique perto deste mundo da inovação! Das aceleradoras e das venture captures que, de alguma maneira, estão investindo em players que estão trazendo uma disrupção. E quando digo disrupção, não falo de algo que ‘está inovando naquilo que o varejista faz’. Mas inovando na forma como ele faz, tornando processos mais eficientes. É preciso saber caminhar nesta linha difícil: estar próximo à inovação, mas seguir firme no seu core – saber do seu produto, do seu negócio e do seu público. Para isso, é preciso ter gente boa para te apoiar neste sentido e, claro, ter a mente aberta. Bater na tecla de que ‘fez sempre assim e deu certo’, já não funciona mais.
NV – Temos visto um aumento significativo das aquisições no varejo, um movimento que tem sido tratado como ‘consolidação’ dentro do qual as empresas mais estruturadas acabam forçando a saída daquelas que não se adaptaram a um novo momento. No entanto, nosso ambiente varejista sempre foi marcado pela pluralidade. Como manter essa característica histórica ante este chamado por tecnologia e inovação?
FP – Nós investimos em empresas que fornecem soluções para varejo. Temos um fundo que está em um processo de investimento, buscando de 10 a 15 startups que tenham serviços e soluções disruptivas para ajudar o varejista. Nossa missão é democratizar a tecnologia, permitir que os serviços estejam disponíveis para o pequeno, para o médio e para o grande. Isso porque, na nossa visão, as soluções não podem ficar restritas apenas a este núcleo dos grandes varejistas. E eu acho que isso tem, aos poucos, acontecido. Afinal, as startups surgem justamente para fugir destes modelos engessados de grandes plataformas que existem no mercado com meios de cobrança diferentes – com custos atrelados à performance e sem um custo fixo. NV – Que ‘kit de sobrevivência’ você daria para os varejistas, a fim de que possam sobreviver à soma de toda esta instabilidade conjuntural e ao chamado cada vez mais urgente por inovação?
FP – Minha dica é: fique perto deste mundo da inovação! Das aceleradoras e das venture captures que, de alguma maneira, estão investindo em players que estão trazendo uma disrupção. E quando digo disrupção, não falo de algo que ‘está inovando naquilo que o varejista faz’. Mas inovando na forma como ele faz, tornando processos mais eficientes. É preciso saber caminhar nesta linha difícil: estar próximo à inovação, mas seguir firme no seu core – saber do seu produto, do seu negócio e do seu público. Para isso, é preciso ter gente boa para te apoiar neste sentido e, claro, ter a mente aberta. Bater na tecla de que ‘fez sempre assim e deu certo’, já não funciona mais.