Claudio Milan [email protected]
O IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, uma fundação vinculada ao Ministério da Economia, acaba de apresentar o primeiro estudo de abrangência nacional sobre o perfil dos consumidores que utilizam o transporte por aplicativos – ou, conforme denomina o trabalho, serviços de ride-hailing (transporte sob demanda) – de empresas como Uber, DiDi e 99.
Este sistema de mobilidade vinha se consolidando com forte tendência até o surgimento da pandemia da covid-19, que resultou na valorização do carro próprio, por razões de segurança sanitária, e na redução do uso do transporte público quando possível. O estudo divulgado pelo IPEA, no entanto, não é afetado pelo viés da pandemia porque utiliza os dados mais recentes do IBGE. E, como de costume, as pesquisas do Instituto são publicadas com um gap razoável. No caso aqui em tela, estamos falando de pelo menos quatro anos decorridos desde a última atualização.
Portanto, ainda que este trabalho não tenha avaliado o impacto da pandemia na mobilidade, traz indicativos valiosos acerca da tendência no momento em que empresas como o Uber já operavam com regularidade no país, ou seja, os anos de 2017 e 2018, o que permite aos leitores compreender o perfil dos usuários em cenários de normalidade – que, esperamos, possam ser reestabelecidos completamente nos próximos meses. Até a divulgação deste trabalho do IPEA, muito pouco se sabia sobre o perfil sociodemográfico e os padrões de consumo dos usuários de mobilidade por aplicativo no Brasil. Graças à abrangência nacional, o estudo é capaz de lançar luzes sobre estas questões, pois tem como base os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017-2018, gerados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma fonte de dados pouco explorada em estudos sobre transporte urbano. A POF oferece um rico diagnóstico da composição dos gastos da população brasileira, incluindo despesas detalhadas com diferentes modos de transporte de maneira desagregada por faixas de renda, cor, sexo escolaridade, idade e grupos ocupacionais em diferentes escalas geográficas
Transporte por aplicativos ainda é usado por poucos
Uma das principais conclusões do estudo divulgado pelo IPEA é que o uso do transporte compartilhado acionado pelos aplicativos ainda é (ou, se preferir, era, já que a base de dados é anterior à pandemia) restrito a uma pequena parcela da população brasileira.
Em 2018, quatro anos após a chegada dos serviços de ridehailing no Brasil, apenas 3,1% das pessoas acima de 15 anos de idade usavam esses serviços, fazendo uma média de aproximadamente oito viagens por mês com custo médio de R$ 22,50 por viagem. Comparando com outros meios de transporte, 6% das pessoas tinham gastos com serviços de táxi, 43,6% com transporte público e 54,4% com algum tipo de transporte particular (automóvel, motocicleta etc). Segundo as conclusões do IPEA, “os resultados mostram que a mobilidade urbana por aplicativo no país é socialmente desigual e espacialmente concentrada”. A taxa de adoção desses serviços, prossegue o relatório, é significativamente maior entre a população de alta renda, de escolaridade elevada, mais jovem (entre 15 e 34 anos), entre mulheres e a população branca – as mulheres apresentam taxa de utilização de 3,6% – o dobro da de homens. Cerca de 60% dos usuários residem numa das dez maiores regiões metropolitanas do país, embora a taxa de adoção e a frequência e o custo médio das viagens apresentem grande variação entre as cidades.
O estudo aponta também que a adoção do transporte por aplicativos é maior entre pessoas que moram em bairros com mais densidade e em grandes centros urbanos, com taxas significativamente menores nas periferias metropolitanas e no interior do país. “Esses resultados mostram que os potenciais benefícios do ride-hailing não estão igualmente disponíveis para todos e levantam importantes questões para futuras agendas de política e de pesquisa sobre os impactos que esses serviços podem ter sobre a mobilidade urbana”, concluem os técnicos do IPEA.