Em 2024, Dia do Mecânico destaca a resiliência dos profissionais ante seus vários desafios

O Brasil celebra pela 12ª vez na história o ‘Dia do Mecânico’ em 20 de dezembro. Instituída em 2012, por iniciativa do Sindirepa-SP, a comemoração anual visa valorizar e reconhecer a categoria que, dentre tantas contribuições para a sociedade brasileira, é fundamental para a garantia da segurança no trânsito.

De acordo com a Polícia Rodoviária Federal, a falta de manutenção nos automóveis é causa de 30% dos acidentes nas estradas do país. Um índice que, é claro, seria significativamente maior não fosse o trabalho dos reparadores – sobretudo considerando que, já há algum tempo, a frota nacional tem uma idade média acima dos 10 anos.

“Um veículo em boas condições é um fator importante de prevenção a acidentes, assim como movimenta a economia e faz com que os caminhões que transportam as cargas pelo país continuem rodando, inclusive durante a pandemia”, afirma Antonio Fiola, presidente do Sindirepa Nacional e Sindirepa São Paulo.

Todo este contexto, somado ao fato de possuirmos a sexta maior frota de veículos circulante do planeta, faz do setor de reparação de veículos um dos mercados mais prósperos e resilientes da economia brasileira.

Para se ter uma ideia da magnitude deste setor, basta ver que, se olharmos só para o aftermarket independente – responsável pela manutenção e reparo de mais de 80% dos cerca de 46 milhões de automóveis que circulam nas vias brasileiras –, teremos números impressionantes: mais de 100 mil oficinas, que empregam 2,9 milhões de profissionais em diferentes funções, segundo dados compilados pela Fraga Inteligência Automotiva.

Mudanças no setor desafiam a classe

O Dia do Mecânico é de merecida homenagem aos reparadores. Isso não significa, porém, que possamos passar à margem dos desafios que a atual conjuntura internacional da indústria de automóveis apresenta a esses profissionais. A indústria da mobilidade vive transformações verdadeiramente disruptivas que, inevitavelmente, terão impacto direto nas oficinas num futuro não muito distante.

Atualmente, o setor de automóveis sofre uma pressão mundial para iniciar uma nova revolução: a da eletrificação dos modais, movimento que, embora se espalhando com mais velocidade por regiões como a Ásia e a Europa, já começa a chegar de forma concreta no Brasil. Dados da Secretaria Nacional de Trânsito indicam que, se somarmos a totalidade de carros eletrificados (diferentes formas de híbridos e elétricos puros), o volume de automóveis da categoria cresceu 787,5% entre 2019 e 2023. Na avaliação de especialistas, o volume já é significativo o bastante para demandar uma adaptação tanto dos mecânicos quanto das oficinas a fim de que ambos estejam devidamente preparados para, por exemplo, operarem com sistemas de alta tensão.

Diante deste cenário desafiador, o presidente Antonio Fiola afirma que o Sindirepa tem atuado sistematicamente para oferecer suporte e serviços aos reparadores em várias áreas da oficina, como finanças, gestão, capacitação, tecnologia, legislações, práticas ambientais, entre outras questões. “Além disso, somos membros da Aliança do Aftermarket Automotivo do Brasil que trata de vários assuntos, incluindo o Right to Repair, legislação que defende o acesso às informações técnicas para reparação para que o consumidor tenha direito de escolha de levar o veículo para fazer o reparo onde deseja”, complementa a liderança, citando outra questão desafiadora trazida pela ‘modernização’ da indústria de automóveis.

Apesar de reais e múltiplos, no entanto, os desafios do setor de reparação não retiram a confiança dos players do setor quanto à capacidade de capacitação e adaptação da classe reparadora. É nessa esteira que Fiola dedica sua mensagem final para o Dia do Mecânico enaltecendo a força dos profissionais ante às adversidades como fator imprescindível para a resiliência do setor: “É algo admirável e que merece todo o respeito e reconhecimento por parte da sociedade. Por isso, fica aqui o meu abraço e meus parabéns a todos!”, finaliza.

Mecânicos e oficinas sofrem com bloqueio das montadoras

Falta de acesso às informações veiculares é tema da segunda parte de nossa cobertura do recente Seminário da Reposição Automotiva

Conectividade veicular e eletrônica embarcada são fatores que têm facilitado às montadoras reter as informações necessárias ao diagnóstico veicular e aos serviços de manutenção por parte do aftermarket independente. Também é crescente o acesso a peças específicas e scanners compatíveis com os novos automóveis.

Nesta edição, damos continuidade à cobertura do Seminário da Reposição Automotiva 2024 trazendo o debate que focou a reparação, segmento que já tem muitas histórias para contar sobre ocorrências e dificuldades enfrentadas no dia a dia para garantir a liberdade de escolha do consumidor na hora de consertar seu carro.

Antonio Fiola – Eu abro a minha oficina com oito horas para vender de cada colaborador. Se eu não vender, amanhã eu perdi essas horas. Muito melhor vender horas do que vender peças, porque a peça pode ficar parada no meu estoque. E eu tenho um varejista bem próximo de mim para me atender sempre. Nós vamos entrar hoje, talvez, no que é mais importante para nosso setor. Em que a gente fala muito de cadeia produtiva, mas nunca lembra de olhar para o consumidor. Para quem paga a conta de baixo para cima. E a gente está sempre procurando ver os outros negócios, os outros setores, essa visão míope. Por que eu entrei nesse tema? Porque a montadora investe milhões em tecnologia, mas esquece de facilitar a vida do cliente. A gente tem muita dificuldade de acesso à informação. A montadora sempre esquece que o carro que eu peço a informação já está na minha oficina. O cliente já escolheu arrumar comigo. E ela esquece que, muitas vezes, pode me vender a peça para esse carro. Existe uma distorção, mas é claro que isso não é privilégio do Brasil. É um problema mundial. E a gente vai lidando com essas dificuldades. Outro dia eu estava com um problema no ADAS. Mandei o carro para uma concessionária que fez parceria com o Sindirepa. O cara condenou o ADAS e no final o ADAS estava bom. A própria concessionária me induziu ao erro, porque era um carro batido. E aí ele falou “liga para o ‘Fernando Adas’”. E o cara foi lá e calibrou o ADAS na minha oficina. Eu quero que cada um de vocês fale um pouco desse desafio que a gente tem.

Ricardo Cramer – O que está acontecendo com essa quantidade de informação e tecnologia que está chegando nos carros? As montadoras tiveram que fazer um fechamento, um key lock, no carro e bloquearam o nosso acesso. Isso é por segurança, até pelas leis que existem hoje. E nós, como reparadores, temos que procurar sempre atender o cliente. Hoje, a gente tem que pagar para poder ter um acesso. Isso não é problema, isso é repassado para o cliente. Mas tem informações do carro para as quais a gente não tem acesso. E aí, através de contatos, até entre os próprios reparadores, ou dentro da concessionária, a gente pega informação sobre isso. Eu acho que o mais difícil hoje é ter uma linha de abertura com a montadora. As concessionárias abrem as portas, atendem a gente, mas mesmo assim existe uma perda de informação nesse vínculo e, às vezes, até elas se protegem de passar informação para a gente. Às vezes, para fazer a simples chave de um carro eu tenho que locomover o carro até a concessionária, pedir a chave para a fábrica, esperar um prazo para que seja liberada a comunicação e o carro seja programado. Se a pessoa hoje perder uma chave, pode ficar até 60 dias sem o carro. Aconteceu comigo em Santos. Tive que esperar a chave chegar da Alemanha e pedir uma autorização na Volkswagen para poder fazer a gravação da chave. E só faz na concessionária. Claro, em todo problema existe oportunidade. Existem empresas que estão fornecendo material, fazendo a engenharia reversa dos carros. Imagina alugar um carro, desmontar o carro todo para descobrir que a bateria vai para aquele pino. Isso está sendo feito e vendido para a gente. Então, tem que pagar por mês o valor de 1.200 reais, pelo menos, para ter um maior número de informações. Infelizmente, a gente paga e tem que cobrar do cliente final. E as peças estão ficando muito caras. Nessa parte de tecnologia, eu sei de uma linha hoje que vende bastante carro, é até o top 1, mas, se você tirar o para-choque e manobrar o carro dentro da oficina, ele trava e perde as informações do módulo de gestão. Já aconteceu com dois carros na baixada. E tem que ser trocado o módulo que custa 8 mil reais. Essa mesma linha tem outro problema crônico: se você for trocar uma articulação direção e esterçar o volante com o contato desligado, a caixa perde o ponto zero da direção. Você perdeu a caixa de direção do carro. Tem que comprar uma nova. No fim, são problemas pontuais que têm a tecnologia e a informação e a gente não tem acesso, não sabe que isso está acontecendo, não sabe como proceder e está aí no dia a dia.

Antonio Fiola – Qual foi o impacto naquela família do Volkswagen? Não compra o Volkswagen. Fiquei 60 dias para fazer uma chave. A montadora amarra de um jeito que ela acaba perdendo. Mas nós temos aqui dois caras que eu, particularmente, me sirvo muito, eles acharam a oportunidade. Eles vão lá e resolvem o problema. Esse eu acho que é o grande diferencial de oportunidade para o mecânico.

Pedro Scopino – A gente tem oito horas de mão de obra para vender. Se a fábrica, o distribuidor e o varejista pensam em estoque de peças, nós, oficinas, temos um outro tipo de estoque: de serviço. Você não tem noção o quanto que é complicado gerir estoque de serviço. Porque se acabou o estoque de carro para consertar, o mecânico fica parado. E aí já não vende mais as oito horas do dia. Então, é uma questão de gestão muito complexa quando se fala em oficina. O tema desse painel é sobre a informação técnica. Caso real, não vou falar mal da marca, só vou citar como exemplo: Fiat Fastback. O cliente, carro zero quilômetro, foi manobrar, bateu a lanterna traseira no portão da casa. Não foi um circuito, só a lanterna. Coisa simples, né? Ele comprou na concessionária a lanterna traseira. Os LEDs já vêm junto. Montou ele mesmo, coisa simples, encaixar uma lanterna traseira comprada, original. A seta não funciona. Tem que entrar no scanner um protocolo original para apagar a memória de código de erros, para, aí sim, voltar a funcionar uma simples seta do carro. Simples. A minha oficina tem o equipamento homologado, que eu pago mensalidade, e eu consigo resetar esse código de falha. Ele esperou uma semana na concessionária, porque está na garantia – ou paga a oficina que tem esse equipamento. Então, as restrições a algumas funções do carro estão ficando muito fortes. Faço revisão e, em muitos carros hoje, a luz de inspeção ou manutenção do painel para quem não tem o equipamento homologado não apaga. Troca o óleo do motor, o filtro, faz o freio, faz a revisão, mas o carro sai da oficina com o painel indicando o pedido de manutenção. Está ficando muito restrito o acesso às informações, até mesmo numa simples manutenção, dessa de apagar o painel, resetar as falhas. Não estou dizendo que a gente quer de graça. Não precisamos nada de graça. Nós pagamos. O problema é não poder pagar para ter acesso à informação e algumas funções do carro. É isso que está complicado no nosso mercado. Por que o carro japonês faz tanto sucesso? Porque é arroz com feijão. Não tem ferramenta especial. Um scanner qualquer comunica e apaga a luz do painel. Vai trocar uma peça? É simples. Por isso que o carro é japonês vende para caramba. Inclusive as caminhonetes. A gente tem que ter esse acesso à informação. O direito a fazer o reparo. Eu quero informação e posso pagar pela informação para fazer o reparo corretamente. Quanto aperto a junta de cabeçote de tal carro? Se não tenho a informação, como vou apertar? Como eu faço para trocar o radiador de um Volkswagen Up? Muitas oficinas, no começo, tomaram um prejuízo danado. Porque cobraram duas horas de serviço para trocar o radiador do Up. Aí, foram ver, tem que tirar o para-choque, tirar a alma, deslocar tal peça, são seis horas de mão de obra para trocar o radiador de um Volkswagen Up. Mas essa informação a gente não tinha antes. O que a gente quer? Ter o direito à informação. Ter o direito de fazer o serviço correto. O direito de apagar uma mensagem de erro no painel. O direito a ter um scanner que tenha acesso à informação e apague a memória de erros como exigido.

Antonio Fiola – Você vê como é um tiro no pé? Porque o carro ficou uma semana na concessionária. O parque concessionário não está pronto para essa tecnologia que eles estão vendendo. Hoje se falou aqui que o nosso mercado vai ser de 105 bilhões. A montadora é muito mais focada em vender peça do que reparar carro. Então, é uma falta de visão que atrapalha a vida dela com o consumidor. Laguna, hoje eu fiquei feliz aqui. A gente sempre teve uma grande resistência ao carro elétrico. E sempre fomos rechaçados por isso. E hoje eu já vi aqui nos painéis uma mudança de cultura. A gente sabe dos entraves. Como você vê essa transição?

José Arnaldo Laguna – Eu não acredito no carro elétrico. Todo esforço, todo investimento – a BYD fazendo investimento em marketing absurdo. Esses 150 mil carros parados em Porto. A gente entende que o Brasil não é para carro elétrico. Eu estive agora na Europa, fui à Suécia, vi carro elétrico de monte. Mas as quilometragens são pequenas. Então, acredito sim no híbrido. Acho que o híbrido é uma solução, o etanol está aí. O hidrogênio do etanol é uma baita solução. O trabalho que o MBCB (Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil) fez e apresentou influenciou o governo. E a gente está trabalhando fortemente o Congresso Nacional para prestigiar o biocombustível. Etanol para a linha leve. E partir para biogás, biometano, na linha pesada. De repente, até mudar a lei de São Paulo que coloca o elétrico. Também não funciona. É muito bacana, mas você tem que parar o veículo para carregar. Isso vai aumentar o custo da transportadora, da empresa de ônibus e refletir no bolso do consumidor. Então, acho que essa lei também precisa ser repensada em São Paulo. Falando em Right to Repair, nós temos um trabalho muito bem feito, bem desenvolvido, para tentar fazer com que o Brasil dê o primeiro passo em direção ao direito da reparação, o direito do consumidor. Quando eu compro um celular ou um automóvel, eu estou comprando um hardware e um software. Aquele produto passa a ser de minha propriedade. E eu uso do jeito que eu quiser e dou manutenção onde eu achar que devo. Se eu escolher uma empresa errada para a manutenção, a responsabilidade é toda minha. Agora, se ele tem um defeito, a garantia tem que ser concedida. Mas o direito de escolha da manutenção tem que ser do proprietário daquele produto. Esse projeto visa demonstrar isso, que a gente tem que defender o direito do consumidor e o que fazer com aquele produto de sua propriedade. O projeto está desenvolvido, muito bem preparado, só que nós precisamos de uma coisa: de que este público aqui, oficina mecânica, retífica de motor, loja de autopeças, distribuidor atacadista e fabricante, que todos nós nos unamos para fazer um trabalho deste porte junto ao Congresso Nacional. Se não tivermos o apoio de todos, não vamos conseguir fazer isso. E estamos muito atrasados. Estados Unidos, Canadá, África do Sul, Austrália, Europa e Índia, já têm leis protegendo o consumidor e o Brasil não se mexeu ainda. O que está acontecendo com a gente? Nós vimos aqui testemunhos de colegas que não conseguem atender o cliente. A montadora não enxerga o cliente, porque ela quer tudo para ela, quer que o cliente caia dentro da concessionária. Mas quem leva o carro na concessionária depois que terminou a garantia? Quanto custa fazer uma manutenção na concessionária? Não é só a peça que é cara. A mão de obra é absurdamente mais alta do que a do reparador. Isso atende? Nós sabemos que a concessionária também não tem qualidade no serviço. Um amigo está com uma Dodge RAM há semanas na concessionária e não consegue resolver um problema de elétrica, de um sensor puro e simples. Já desmontaram a caminhonete dele inteirinha, caminhonete zero, e não conseguem achar o defeito. Então, o que nós precisamos fazer? Precisamos ter coragem, nos reunirmos, criarmos um programa em que a gente consiga envolver o governo e vender essa ideia de que o consumidor é a pessoa mais importante, que ele tem que ter o direito de propriedade, tem que ser respeitado para que a gente consiga enxergar o futuro do nosso mercado. Vocês falaram em informações, eu mantenho um engenheiro mecânico no Conarem contratado em tempo integral só para levantar informações e dar suporte aos nossos associados. Isso tudo tinha que ser fornecido pelo fabricante. Nós estamos dando continuidade ao funcionamento daquele veículo e não somos respeitados e enxergados pela indústria montadora.

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