Eletrificação automotiva nasceu no século 19

Carro híbrido criado em 1899 por Ferdinand Porsche tinha um motor elétrico em cada roda

Vistas como passaporte para a mobilidade ambientalmente mais limpa, tecnologias de propulsão híbrida e elétrica nos levam de volta ao século 19

Claudio Milan
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A contínua degradação do meio ambiente tem motivado a engenharia automotiva a buscar de forma incessante novas alternativas para a propulsão veicular. Novas? Bom, nem todas – aliás, quase nenhuma. Se durante mais de um século os motores ciclo Otto e Diesel prevaleceram sobre tantos outros conceitos, não foi por falta de criatividade ou alternativas. Embora os dois veículos aceitos como os primeiros automóveis do mundo tenham sido inventados na Alemanha em 1886 movidos a gasolina, o século 19 já oferecia outras tecnologias capazes de substituir o combustível derivado de petróleo.

Uma delas, a híbrida, surgiu em 1899 a partir da genialidade do jovem engenheiro austríaco Ferdinand Porsche, que já em seu segundo protótipo trazia a inovadora propulsão a gasolina e eletricidade – o primeiro era totalmente elétrico.

Na época funcionário de uma indústria de carruagens, a Lohner, Porsche instalou um motor elétrico no interior de cada roda. As baterias desses motores eram recarregadas por um gerador alimentado pelo propulsor a gasolina – que, portanto, não servia para tracionar o veículo. Além do carro híbrido, Porsche inventou também o 4×4.

No começo do século 20, outros automóveis que combinavam motores elétricos e a gasolina foram apresentados na Europa e nos Estados Unidos. Porém, naquele tempo, quando não havia preocupação com o meio ambiente nem a expectativa do fim do petróleo, combustíveis como gasolina e diesel prevaleceram, dominando a indústria automobilista mundial pelos 100 anos seguintes.

Foi exatamente em razão da crise do petróleo, no início da década de 1970, que as discussões sobre a necessidade de viabilizar novas matrizes energéticas ganharam força. Enquanto o Brasil focava investimentos, pesquisas e desenvolvimento na tecnologia que resultaria no uso do etanol – programa conhecido como Pró-Álcool – nos Estados Unidos o refugiado russo Alex J. Severinsky – Ph.D. em engenharia elétrica pelo Instituto de Moscou –  buscava outro caminho para encontrar alternativas capazes de substituir a propulsões dos motores de combustão interna.

Especialista em condutores de alta tensão, Severinsky descartou a propulsão 100% elétrica, considerada por ele inviável, e passou a se dedicar à tecnologia híbrida. Após inúmeros estudos, e beneficado por seu conhecimento em sistemas de alta tensão e fornecimento contínuo de energia elétrica, o engenheiro patenteou em 1994 o Hyperdrive. A tecnologia viabilizou definitivamente a propulsão híbrida na medida em que permitiu, afinal, a integração operacional perfeita entre motores elétricos e a gasolina. Graças ao Hyperdrive, a transição de um motor para outro e a integração do torque de ambos passou a ocorrer de forma quase inperceptível, suave.

Alex J. Severinsky não inventou o carro híbrido, mas foi protagonista para sua viabilização prática. Tanto é verdade que, pouco tempo depois, a Toyota lançou o Prius, o híbrido de maior sucesso em todos os tempos. E este sucesso se deveu em grande parte à qualidade operacional proporcionada pela tecnologia patenteada pelo engenheiro russo. Embora a Toyota tenha desevolvido o sistema em paralelo a Severinsky, a montadora acabou perdendo para ele um processo por violação de patente e agora está obrigada a pagar royalties a cada Prius vendido.

Brasil

O Brasil nem sempre acompanhou de perto o desenvolvimento de novas tecnologias automotivas, mas o carro elétrico também esteve representando por aqui. Em 1974, o engenheiro, empresário e idealista João Augusto do Amaral Gurgel apresentou à imprensa o primeiro protótipo do Itaipu – nome inspirado na usina hidrelétrica construída por Brasil e Paraguai ao longo da década de 70.

Este veículo, semelhante a um bugue, era equipado com um motor elétrico de 3.000 watts/120 volts, que desenvolvia 4,1 HP de potência. A energia era fornecida por dez baterias de 12 volts ligadas em série, com capacidade individual de 84 Ah. O carro tinha autonomia de 60 km, velocidade máxima de 50 km/h e consumia dez horas para a recarga. Em 1975, uma unidade aprimorada surgiu, ainda que com as mesmas configurações técnicas da primeira. A ideia de Gurgel era iniciar as vendas no final daquele mesmo ano. No entanto, apenas em 1981 o Itaupu chegaria às ruas na configuração de furgão.

O E400 trazia motor de 10.000 watts e levava o carro aos 75 km/h. Mas as limitações tecnológicas da época inviabilizaram comericalmente o veículo. Com desmpenho sofrível, peso elevado, baixa autonomia e a necessidade de 10 horas para recarga, o primeiro carro elétrico da América Latina hoje é uma raridade nas mãos de colecionadores.