Comércio digital ganha força e não-especialistas passam a ter mais participação na compra de autopeças

Percepção é compartilhada por profissionais do e-commerce, dirigentes de entidades representativas e gestores das oficinas de reparação Lucas…

Percepção é compartilhada por profissionais do e-commerce, dirigentes de entidades representativas e gestores das oficinas de reparação

Lucas Torres [email protected]

Historicamente, ao serem questionados sobre quem eram seus principais clientes, os varejistas de autopeças não tinham dúvidas em afirmar: são os reparadores. Ao fazermos esta mesma pergunta no ano de 2022, no entanto, chegamos a respostas com um grau maior de complexidade e relativização. Isto porque novos fatores – como o aumento do acesso a produtos e informações no ambiente digital – têm aumentado o ímpeto dos proprietários de automóveis a realizarem a compra das peças e entregá-las nas mãos do profissional responsável pela manutenção.

Tal cenário, embora não esteja consolidado em números públicos por grandes players como o Mercado Livre (ML), é de conhecimento amplo do aftermarket automotivo e é corroborado por especialistas como o fundador da Auto Partners e ex-head do ML para o setor automotivo, Leandro Ribeiro.

De acordo com o executivo, o fato dos grandes marketplaces não oferecerem, por exigência da Lei Geral de Proteção de Dados, o perfil exato de seus compradores, pode ser contornado com uma análise minuciosa da recorrência de compra dos clientes dessas empresas. “Naturalmente se trata de uma empresa que compra pra revender ou repassar ao consumidor”, aponta Ribeiro. Com base nessas análises, ele afirma que, sim, é possível ver um aumento significativo no volume de compras realizadas por proprietários de automóveis ou aquilo que chamou de ‘nãoespecialistas’ do momento de sua chegada no ML, em 2014, até hoje.

Perfil das peças compradas indica proatividade de proprietários de automóveis nas oficinas. Reparadores se incomodam com movimento

Na análise de Leandro Ribeiro, fundador da Auto Partners, um dos principais reflexos do aumento da disposição de nãoespecialistas em comprar autopeças online está no crescimento do marketshare da categoria dentro do grupo de produtos vendidos pelo Mercado Livre. Isso porque, se há cerca de cinco anos as peças de automóveis correspondiam a uma fatia de 30% de participação na plataforma, hoje elas correspondem a 50%!

De acordo com o especialista, porém, para se compreender de maneira mais clara o impacto deste movimento na cadeia automotiva, é imprescindível lançar um olhar fragmentado para as subcategorias das autopeças no lugar de olhá-las como um ‘grande grupo uniforme’. “Uma informação que a gente vem acompanhando diz respeito às subcategorias de autopeças. Verificamos, por exemplo, que a categoria de motor é a mais vendida dentro do segmento de carros e caminhonetes – algo que não acontecia antes pela exigência técnica desta compra”, coloca Ribeiro, antes de apontar uma causa para esta mudança. “Isto tem ocorrido porque os canais vêm se aprimorando para ajudar quem vende a publicar informações técnicas corretas e detalhadas, a fim de auxiliar, de fato, o comprador – mesmo aquele não- especialista – a encontrar a peça correta”. Embora represente uma mudança significativa no histórico do aftermarket nacional, o movimento descrito pelo ex-head do Mercado Livre não causa surpresa na principal entidade representativa dos reparadores do país.

Questionado por nossa reportagem sobre uma possível diminuição do papel do empresário ou profissional reparador como responsável pela compra da peça – e, consequentemente, intermediário entre varejo e proprietários de automóveis –, o presidente do Sindirepa Nacional, Antônio Fiola, reconheceu que “este é um movimento que existe em razão do avanço do comércio online. O consumidor deixa apenas de pesquisar preços e começa a comprar”. O líder do Sindirepa reconhece a tendência, porém, isso não significa que a entidade a considere saudável para a cadeia do aftermarket. Muito pelo contrário.

Para Fiola, os impactos da mudança vão desde perda de receita até atrasos na realização do serviço por conta do produto não ser compatível com o veículo, gerando a insatisfação do próprio cliente. “Por isso, fica a critério de cada empresa aceitar ou não que o cliente leve a peça. O importante é se resguardar dos possíveis problemas que isso pode acarretar”, aponta o dirigente. Em uma orientação direta aos reparadores, Fiola oferece ainda uma espécie de ‘cartilha’ a ser seguida a fim de se prevenir contra os impactos negativos de uma compra realizada por um proprietário desprovido de conhecimento técnico. Segundo ele, nestes casos, o reparador deve pedir para que seu cliente assine uma declaração de que está ciente da procedência da peça e que qualquer problema relacionado ao produto é de responsabilidade do consumidor. Quando isso acontece, o reparador oferece apenas a garantia da execução do serviço. “Vale dizer que, normalmente, quando o reparador compra a peça, ele também fica responsável pela peça e pelo serviço”, conclui Antonio Fiola.

Alguns reparadores já aceitaram a nova realidade,
aponta Leandro Ribeiro

Reconhecido tanto por players do comércio eletrônico de
peças quanto pelos representantes da classe reparadora,
o aumento da incidência da compra de autopeças de
reposição por parte de proprietários na era digital parece
ser uma realidade incontestável. Não há consenso, porém,
quanto ao comportamento a ser adotado pelos reparadores
diante da relativa quebra de uma tradição de décadas.
Enquanto Antonio Fiola, presidente do Sindirepa Nacional,
vê o movimento como prejudicial para a cadeia e oferece
diretrizes para que os profissionais do segmento possam
se proteger dos problemas por ele causados, o fundador da
Auto Parnets, Leandro Ribeiro, já enxerga uma aceitação e
adaptação prática por parte da categoria.
Segundo ele, os reparadores já perceberam que, apesar
de não serem mais necessariamente os executores da
compra, eles ainda mantêm seus papéis de intermediadores
fundamentais. “Essa importância continua existindo.
Afinal, mesmo nas situações em que o reparador não
efetuar a compra, ele dará uma opinião decisiva para o
consumidor comprar”, sentencia Ribeiro, antes de oferecer
exemplos concretos deste processo: “A gente vê isso
muito claro na questão da marca. O não-especialista irá
sempre consultar o reparador sobre qual é a marca mais
adequada – de modo que o profissional passa a assumir
um papel extremamente importante de consulta. Ele é um
formador de opinião. E, se não vai realizar a compra, ele
vai direcionar essa compra”, conclui.

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