Chamado mundial por sustentabilidade convida à reflexão

Políticas mais sustentáveis nos setores produtivos podem representar expansão do PIB e novos empregos

Lucas Torres
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Recentemente, um estudo realizado pela consultoria WRI Brasil – em parceria com organizações como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds) – causou repercussão ao apontar que a adoção de políticas mais sustentáveis nos setores produtivos seria capaz de acrescentar cerca de R$ 2,8 trilhões ao PIB do país até 2030.

Denominado ‘Uma nova economia para uma nova era: elementos para a construção de uma economia mais eficiente e resiliente para o Brasil’, o trabalho destacou que a adaptação de processos industriais inovadores, que utilizem tecnologia para aumentar a produtividade e otimizar o aproveitamento de recursos no setor, tem como potencial a abertura de 2 milhões de novos empregos até o final da década.

Cada vez mais a sustentabilidade deixa de ser uma bandeira de segmentos sociais específicos para se transformar em exigência dos consumidores e, especialmente, dos investidores. Está claro que as empresas que negligenciarem os cuidados com, por exemplo, o meio ambiente, enfrentarão dificuldades no futuro.

Na reposição automotiva, o tema remete a uma pauta que mescla a crescente disposição do setor empresarial a uma resistência ainda teimosa dos consumidores finais: o reaproveitamento de materiais e resíduos para a produção de autopeças com matérias-primas recicladas. Em grande parte, isso se deve à histórica confusão entre os produtos ditos “recondicionados” e os “remanufaturados”. Enquanto os primeiros em geral são oriundos de empresas de “fundo de quintal” e são feitos sem controle, a remanufatura é um processo industrial rigoroso, que obedece a critérios técnicos e de qualidade.

Fabricantes abraçam a causa

Marcelo Alvarenga, diretor de operações da Mazola Ambiental – empresa que oferece soluções em Gestão de Resíduos Sólidos, Logística Reversa e Reciclagem – avalia que a demanda pelo manejo sustentável de peças pós-uso tem sido perceptível neste período em que vivemos uma espécie de ‘chamado internacional’ pelo crescimento da responsabilidade ambiental.

“Alguns fabricantes de autopeças estão cada vez mais se adequando para oferecer produtos sustentáveis, como, por exemplo, os itens remanufaturados, que custam cerca de 30% a menos que a peça nova, tendo total garantia da própria indústria que desenvolveu a peça originalmente”.

O executivo entende que o ‘preconceito residual’ entre os consumidores finais e até mesmo os players do mercado em relação às peças que incluem a reciclagem nos processos produtivos advém da falta de conhecimento técnico e/ou de compromisso com a criação de uma cadeia de reposição mais sustentável. Ele argumenta que a tecnologia de reciclagem de materiais tem qualidades idênticas aos materiais virgens, como aço, chumbo e plástico – qualidade que se soma à redução de custos de produção que o reaproveitamento desses produtos possibilita.

“Diversos produtos pós-uso podem ser reciclados no processo de fabricação, aproveitando a liga do próprio material. Um exemplo é o disco de freio”. Mas, na visão de Alvarenga, algumas práticas de comportamento no varejo e na reparação eventualmente bloqueiam a cultura da reciclagem no aftermarket. “Muitos gestores do varejo focam e são cobrados somente na questão econômica da atividade, esquecendo a responsabilidade ambiental e, principalmente, social.

Exemplificando, os geradores dos resíduos, os reparadores, observam apenas o valor que receberão pela venda do material descartado, sem considerar para quem estão vendendo, ou seja, se tem licenciamento adequado, processos, auditorias, planos de emergências, responsabilidades e planos sociais. Isso dificulta a competitividade do mercado com ’empresas’ muitas vezes informais”.

Fatos, dados e informações sobre reaproveitamento e reciclagem de autopeças no Brasil

Índice de remanufatura de componentes automotivos ainda é baixo no Brasil

– De acordo com a Associação Nacional dos Remanufatoradores de Autopeças (Anrap), as peças remanufaturadas representam apenas 6,04% do universo das autopeças produzidas no país.

– Essa proporção, na média mundial, é de 16,3%. Na América do Norte o índice cresce para 20%.

– A Anrap tem como associados os fabricantes: Borg Warner, Cummins, Sachs, TWR, Delco Remy, LUK, Knorr-Bremse, Eaton, Wabco e Garrett.

– Os principais componentes remanufaturados no Brasil são: motores; motores de partida; embreagens; compressores; componentes do freio a disco; caixa de direção; turbina; caixa de câmbio.

– As principais normas balizadoras para a reciclagem/remanufatura de peças no país são: a Política Nacional de Resíduos Sólidos; a Lei do Desmonte; a Reciclagem Automotiva.

– Hoje o Brasil reaproveita apenas 1,5% das carcaças apodrecidas e das peças enferrujadas abandonadas em pátios e ferros-velhos; em países como Argentina, Japão e Estados Unidos, o reaproveitamento – em alguma forma – oscila entre 80% e 95%.