Lucas Torres [email protected]
Preço do litro da gasolina chegando aos R$ 9,00 na bomba em algumas cidades, inflação do custo de operação do carro com alta de 17% nos últimos 12 meses, preços dos automóveis novos aumentando na casa dos 22,94% nos últimos 18 meses, acompanhados pelos usados. Usar e manter um automóvel definitivamente tem sido um desafio para o brasileiro nos últimos anos.
Além de prejudicar a mobilidade do cidadão, a conjuntura em que vivemos hoje preocupa todos os segmentos da cadeia automotiva – incluindo os mais diferentes elos do aftermarket. Isso ocorre à medida que existe um efeito diretamente proporcional entre a quantidade de veículos nas ruas e a frequência nos estabelecimentos de manutenção. Além disso, a inflação corrói drasticamente o poder de compra dos consumidores e reduz o tíquete médio nas oficinas, com impactos diretos também no varejo e restante do trade. As razões para a alta dos preços são diversas e vão desde a crise na cadeia de abastecimento do setor até a desvalorização cambial sofrida pelo real durante a pandemia.
Este último, no entanto, tem dado sinais de arrefecimento de 30 dias para cá – sem falar na inaceitável invasão russa à Ucrânia e seus prejuízos para a economia global. No entanto, depois de passar da casa dos R$ 5,40, o dólar começa a se estabilizar abaixo dos R$ 5,00 – algo que, somado ao antídoto da alta de juros constantemente aplicado pelo Banco Central de março de 2021 para cá, tem trazido algumas expectativas em torno de possível desaceleração da inflação.
A fim de traçar um paralelo sobre a melhora da questão cambial interna e o impacto que a crise do petróleo mundial tem tido sobre o preço dos combustíveis, convidamos o economista-chefe do Banco Original, Marco Caruso, para um bate-papo sobre conjuntura e perspectiva para a inflação no Brasil daqui até o fim do ano. Na entrevista, o mestre em economia pela Universidade de Brasília (UNB), se mostrou cauteloso quanto a uma melhora instantânea da inflação local, bem como refutou a possibilidade de sucesso em caso de adoção de uma tática de represamento do preço do petróleo visando conter a alta dos combustíveis.
Novo Varejo – Nos últimos dois anos, o cenário de inflação do Brasil esteve muito atrelado à desvalorização do real em relação a moedas mais fortes. Recentemente, este movimento tem se invertido, com o dólar baixando da casa dos R$ 4,80. Você acredita que esse movimento terá algum impacto positivo na queda da inflação?
Marco Caruso – Na minha visão, esse câmbio mais baixo amortece parcialmente a inflação mais alta, mas não evita que a gente continue a vivencia-la pelo seguinte motivo: parte importante da valorização da nossa moeda veio justamente pelo fato das commodities negociadas lá fora estarem subindo de preço desde a invasão da Ucrânia. Então, meu ponto é o seguinte: ela te ajuda na ponta do câmbio, mas te atrapalha nos outros preços, como alimentos atrelados à commodities que estão subindo – tais como trigo, milho e soja; e os combustíveis em geral. Há ainda que se observar uma segunda questão. Ao longo dos anos, o repasse do câmbio mais alto para a inflação acontece muito mais rápido do que os repasses de um câmbio mais baixo. Ou seja, as empresas repassam rápido o aumento de custo vindo de um dólar mais alto, mas elas demoram um pouco mais para repassar eventuais quedas de custo vindas de um dólar mais baixo.
NV – As commodities estiveram em alta durante toda a pandemia, mas não conseguiram impactar a questão cambial que tanto prejudicou nosso poder de compra nos últimos dois anos. Como você tem visto esta mudança, à medida que a alta destes produtos está agora sendo eficaz na valorização da nossa moeda?
MC – Sem dúvida, este é um ponto muito positivo e é a grande diferença do atual momento para os últimos dois anos. Até aqui, estávamos vendo as commodities subindo lá fora, mas não se via a contrapartida histórica que era o nosso câmbio se valorizando. Finalmente isso está voltando – o que, como eu disse, amortece, mas não evita que a gente ainda sofra de uma persistência maior dessa inflação.
NV – Sobre o impacto da alta do petróleo na inflação, você acredita que o país acerta ao parear o preço do combustível com o mercado internacional ou vê com bons olhos um possível ‘represamento’ dos preços a fim de tornar mais viável o consumo no mercado interno?
MC – Tanto você represar os preços quanto repassá-los traz custos para a sociedade. Se você repassa diretamente, como vem ocorrendo, o impacto é mais óbvio: porque tudo que ligado ao petróleo e, sobretudo o combustível, fica mais caro. Mas também existe um custo de você não repassar. Nós não conseguimos ignorar pra sempre essa subida internacional – e a gente já testou isso bastante até o ano de 2016. Durante este período, experimentamos um acúmulo de perdas da ordem de bilhões por parte da Petrobras, o que reduziu a capacidade da própria empresa na hora de fazer investimentos na exploração e, por conseguinte, reduziu a oferta de petróleo. Como resultado, tivemos não apenas um aumento de preço em um segundo momento, mas também discussões sobre desabastecimento. Além disso, quando você represa, entra naquelas situações incongruentes nas quais você tem uma empresa de petróleo gigante no país como a Petrobrás que acaba tendo de torcer contra o aumento de preços porque ela não consegue repassar este tipo de custo. Naquela oportunidade, o movimento acabou sendo danoso para a própria empresa, para a sociedade e para outros setores – dentre os quais destaco o sucroalcooleiro, que é importantíssimo para nossa economia. Este último sofreu a partir do momento que a criação de um teto de preços para o petróleo gerou de maneira automática um teto de preços também para o etanol. Em resumo, penso que você até pode tentar represar por um tempo. Mas você não pode ignorar pra sempre o aumento de preços no cenário internacional. A alusão que eu faço é: tentar controlar a inflação focando nos preços é como tentar controlar a febre quebrando o termômetro.
NV – Trazendo a discussão um pouco para um nicho setorial, seria possível analisar uma correlação entre o aumento dos combustíveis a base de petróleo e a redução dos emplacamentos de veículos no primeiro trimestre de 2022 na comparação com o ano passado? MC – No curto prazo, é difícil saber se essa redução do emplacamento veio já em razão do petróleo ou se, no fundo, de um problema na cadeia produtiva global. Olhando para uma janela maior de tempo, é natural a gente esperar que o preço do petróleo aumente de maneira progressiva, devido à escassez – cenário que irá reduzir naturalmente a disposição das famílias em comprar automóveis a combustão. É importante salientar, porém, que – já que estamos falando de longo prazo – os automóveis não necessariamente vão utilizar este combustível. Então, o lado positivo para a sociedade, digamos assim, é que o petróleo mais caro impulsiona a inovação, seja com o carro elétrico ou com outro modelo que a gente venha utilizar no futuro. Voltando para a reflexão inicial, tenho certeza que a gasolina na bomba a R$ 8,00 ou R$ 9,00 reduz o consumo na margem de automóveis. No longo prazo, porém, é preciso considerar os movimentos de inovação.
NV – Com a inflação no centro do debate do país atualmente, você vê o tema tomando posição de protagonismo durante o processo eleitoral a partir do segundo semestre?
MC – Historicamente, a inflação sempre foi um componente muito importante para o candidato que está concorrendo à reeleição. Na situação atual, penso que o tema é ainda mais importante. Afinal, ele tem afetado muito os segmentos de alimentos e energia, que são duas questões muito importantes na cesta de consumo das famílias de menor renda.Por conta destas duas questões, vejo que a inflação certamente vai estar no centro do debate eleitoral.
NV – Há margem para que os candidatos possam propor mudanças de curso reais que possam mitigar o problema econômico atual ou o cenário de momento é fruto de uma conjuntura internacional?
MC – Parte da solução desta inflação já está em curso. Afinal, estamos vendo um aumento de juros desde março do ano passado, algo que tende a impulsionar uma queda da inflação, embora ela ainda esteja muito mais persistente do que a gente gostaria. Outras soluções para isso são secundárias e complementam o ataque inicial ao cenário inflacionário – que é, como eu disse, o aumento de juros. Dentro deste escopo, temos a questão da redução dos impostos, que já está sendo discutida pelo atual governo para itens como alimentos e combustíveis, como o diesel. Esta medida, no entanto, tende a ter um efeito mais paliativo, ao passo que não costuma funcionar em uma janela maior de tempo. Outro ponto, este de um impacto mais duradouro, é a discussão em torno de uma redução dos gastos públicos. Durante a pandemia, de forma justificada, aumentamos estes gatos para ajudar as famílias e as empresas a passarem pela pandemia, mas hoje vemos que os gastos ainda seguem subindo – o que, na prática, funciona como uma gasolina na fogueira da inflação.