Na reparação automotiva, segmento que ainda sofre com a desconfiança de parte dos consumidores, a ética nos negócios é obrigatória
Christiane Benassi
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Ética, moral e honestidade são conceitos que nunca saem de moda. Ainda que todos concordem com a obrigatoriedade dessas três palavras constarem no manual de procedimentos de qualquer empresa, escrevê-las em sua plenitude e com todas as letras maiúsculas no mundo corporativo é um desafio permanente.
A cada dia, a sociedade brasileira é bombardeada por exemplos de condutas criminosas varridas para baixo do tapete exatamente por quem teria a obrigação de fiscalizá-las. O foco mais flagrante é a política nacional, degradada por escândalos de representantes dissimulados e absolutamente descompromissados com a opinião pública, que a céu aberto promovem desmandos, crimes e barbaridades garantidos pela certeza da impunidade.
Chegamos a um ponto em que, portanto, muitas vezes fica difícil separar o certo do errado, a verdade da mentira. O país há anos vive uma crise de valores que não pode ser aceita passivamente pela sociedade, especialmente por aqueles que têm a responsabilidade de prestar serviços que repercutem na segurança de seus clientes. E aí a discussão começa a bater na porta da sua oficina.
É fato que a concorrência tem crescido consideravelmente nos últimos anos, o que resulta em perda de rentabilidade e necessidade quase paranoica de buscar a competitividade. No entanto, essa busca não pode ser a qualquer custo.
Para fechar o mês com lucro, os gestores precisam pensar cada vez mais criativa e estrategicamente. Mas o caminho é muito longo e a cada curva apresenta armadilhas perigosas, que podem camuflar valores éticos e comprometer a responsabilidade que a empresa assumiu com a sociedade e seus colaboradores, denegrindo sua imagem e direcionando as ações para uma viagem quase sem volta e onerosa lá na frente.
Vemos tais desvios em diferentes segmentos comerciais e de prestação de serviços. Nas oficinas mecânicas, a realidade também não é diferente e quase todo mundo conhece alguém quem tem absoluta convicção de já ter sido enganado pelo mecânico. Em muitos casos, trata-se de um julgamento injusto. Em outros, infelizmente não.
Valores
Embora nem sempre os gestores parem para pensar com seriedade no assunto, a ética no ambiente empresarial é tão importante para a evolução e fortalecimento dos negócios e da imagem da empresa quanto a injeção de investimentos, principalmente em mercados cujos consumidores são ativos e têm consciência dos seus direitos – algo que se torna mais comum dia após dia.
Em uma época em que a velocidade e a facilidade de acesso a informações norteia os relacionamentos pessoais e comerciais – especialmente após o surgimento das mídias sociais, capazes de multiplicar o alcance de um fato e suas repercussões em poucos minutos – , um pequeno desvio de conduta por parte de um executivo, empresário ou funcionário inicia rapidamente um processo muitas vezes irreversível de corrosão da imagem do estabelecimento. Além disso, se na empresa não existirem valores preestabelecidos pelo gestor e compartilhados por todos, as decisões e a comunicação sempre ficarão difíceis.
Esta empresa pode estar a poucos passos do descrédito. Em primeiro lugar porque pode levar as pessoas a cometerem crimes como fraudes e, em segundo, podem gerar um descompasso interno. “Em uma organização de sucesso, o time inteiro deve caminhar na mesma direção, compartilhando dos mesmos princípios”, diz Maria do Carmo Whitaker, escritora, professora universitária e consultora de empresas na área de Ética.
Mas, afinal, o que é ética? “Ética é a ciência que estuda o comportamento humano em relação ao bem e ao mal e se baseia em princípios e valores universais. Em qualquer país, período ou para qualquer raça esses valores são sempre os mesmos”, explica Maria do Carmo.
Para a especialista não é possível o relativismo ético, como muitos defendem, pois é ele que gera a banalização dos valores, levando, por exemplo, à onda de fraudes e ações corruptas a que, infelizmente, nos acostumamos a acompanhar na esfera pública. “Todos nós temos essa consciência de valores universais, capaz de discernir o certo do errado. A maneira como transformamos esses valores em ações constrói nosso caráter”, completa.
Reflexos
Muitas empresas acreditam que basta promover ações sociais ou de preservação ambiental para serem vistas pelo consumidor final como uma organização ética. No entanto, ética empresarial vai muito além do conceito de sustentabilidade ambiental. “A empresa não será ética se seus dirigentes não assumirem uma postura ética e compartilharem tais valores com funcionários e clientes, exigindo, inclusive, que tais princípios sejam seguidos. Quando se fala em comportamento da empresa, na prática significa o comportamento de cada pessoa que age em nome da empresa e que a representa.
Seus fundadores, se forem éticos, certamente imprimirão uma cultura ética à organização, que se refletirá em sua imagem. Caso contrário, se o caráter dessas pessoas for marcado por desvios de conduta, certamente a empresa será considerada antiética. Empresa ética é aquela cujos proprietários, diretores e funcionárias tentam agir sempre buscando a excelência, procurando a verdade e o bem em todas as circunstâncias, exercendo a liberdade com responsabilidade, tanto no seu relacionamento interno, como com o público externo”, define Maria do Carmo.
Ainda de acordo com a escritora, administradores éticos são aqueles que promovem o crescimento, geram empregos e riqueza, garantem condições dignas de trabalho e, principalmente, assumem uma postura de compromisso com a sociedade.
Hoje em dia, a ética empresarial é um valor da organização que assegura sua sobrevivência, sua reputação e, consequentemente, seus bons resultados. Diante de consumidores cada vez mais “antenados”, grandes investimentos em ações publcitárias e de marketing bastam. Para ser bem visto pelo cliente, é preciso ter educação e “boas maneiras”.
Crises
A todo momento temos que fazer escolhas. Em todas as esferas da sociedade, o indivíduo é obrigado a tomar decisões em períodos cada vez mais curtos. “Em uma sociedade em que se dá muito valor à satisfação e ao prazer individual, em detrimento ao coletivo, fica bastante difícil pensar em ética”, refere-se a professora ao velho “jeitinho brasileiro”.
E o consumidor não separa as ações praticadas por empresários ou profissionais da marca que eles representam. Dessa maneira, se um mecânico agir de má fé, certamente a imagem da oficina em que ele trabalha será desgastada e o a reversão será dolorosa. “Não importa o tamanho da empresa, sua credibilidade é reflexo da prática efetiva de valores como integridade, honestidade, transparência, qualidade do produto, eficiência do serviço, respeito ao consumidor, entre outros.
São muito pesados os ônus impostos às empresas que, despreocupadas com a ética, enfrentam situações que muitas vezes, em apenas um dia, destroem uma imagem que consumiu anos para ser conquistada. Multas elevadas, quebra da rotina normal, empregados desmotivados, fraude interna, perda da confiança na reputação da empresa, são exemplos desses ônus.”, enumera Maria do Carmo.
Embora o cenário tenha mudado para melhor nos últimos anos, profissionais e empresas de mecânica eventualmente ainda sofrem com antigas desconfianças e preconceitos do consumidor – muitos já chegam à oficina com o sentimento prévio de que serão enganados, adquirido em parte em consequência da antiga prática do “empurrômetro” de serviços e peças. Por muitos anos, o descompromisso com a postura e, principalmente, a formação técnica da mão de obra por parte de algumas empresas acabou prejudicando a imagem de um setor como um todo.
É claro que a evolução tecnológica, o Código de Defesa do Consumidor e a publicidade e transparência proporcionada pelo mundo digital contribuíram ao longo do tempo para a reversão desses conceitos mais antigos. É justo dizer que a grande maioria das empresas atua hoje com extremo profissionalismo e transparência. Quem age distante dos preceitos da ética cada vez mais se distancia do mercado e caminha rumo ao desaparecimento.
Por isso, independentemente da conjuntura social, política e econômica que atravessemos a cada momento, a ética nunca sairá de moda e seus conceitos devem ser exaustivamente praticados por quem busca a excelência profissional e empresarial absoluta e também por aqueles que já atingiram os mais elevados estágios de conduta em seu mercado.
Reparação da imagem
Como mudar a imagem que muitos consumidores ainda têm dos mecânicos.
– Mantenha a oficina e fachada limpas.
– Uniforme impecáveis.
– Ao falar com o cliente as mãos devem estar sempre lavadas.
– Cuide da aparência.
– Ambientes claros sempre aumentam a sensação de conforto e segurança de quem está deixando o carro.
– Respeite a individualidade do cliente. Cada pessoa é diferente da outra e, por isso, o atendimento não deve ser padrão – apenas siga as regras de etiqueta e boa educação.
– Mulheres preferem ser atendidas por mulheres quando entram em uma oficina mecânica.
– Tente ser didático e paciente na hora de apresentar o orçamento. Se preferir use analogias, para explicar a importância da manutenção de determinado: “O motor do carro é o coração, a embreagem as pernas e, assim por diante”.
– Nunca fale mal dos concorrentes. Mesmo que o cliente chegue com o orçamento incorrento não prolongue a conversa.
– Olhe sempre nos olhos do cliente isso gera confiança.
– Seja verdadeiro.
– Com fornecedores, cumpra prazos e pagamentos.
A cartilha da ética
Muitas empresas adotam um código de ética para orientar as ações internas e a interação com o cliente, cada vez mais exigente e participativo. Não há um modelo específico de cartilha, mas em todos os casos é importante que seu conteúdo seja claro e objetivo, facilitando a compreensão dos funcionários e, sobretudo, que ela seja seguida pela direção da empresa. “O Código é um facilitador.
Primeiro porque ele fortalece a missão, visão e valores da empresa. Além disso, fornece critérios ou diretrizes para que as pessoas encontrem formas éticas de se conduzir; estimula o comprometimento de todos os colaboradores; aumenta a integração entre os funcionários da empresa; protege interesses públicos e de profissionais que contribuem para a organização; e sem dúvida, agrega valor à imagem da empresa”, descreve a professora e consultora Maria do Carmo Whitaker.
No código, além das “regras” que norteiam o relacionamento interno e da empresa com seus clientes e fornecedores, é importante especificar a estrutura organizacional e a atuação dos seus profissionais e colaboradores.
Ética na prática
Veja como transformar a empresa em uma organização mais organizada, ética e comprometida. É importante que cada pessoa envolvida no processo cumpra com coerência suas responsabilidades. Em qualquer situação, é sempre bom ouvir a “a voz da consciência” e ser coerente.
Ao empresário
- Dê sempre o exemplo.
- Empregue bons assessores e profissionais na empresa.
- Estabeleça planos estratégicos.
- Conquiste a confiança e comprometimento dos colaboradores, motivando-os e incentivando.
- Lance sempre desafios tangíveis para que todos cresçam e se superem.
- Seja leal.
- Respeite as pessoas, valorizando a dignidade de cada colaborador, cliente, fornecedor, concorrente e todas as demais pessoas de seu círculo de relacionamento.
Gestão de pessoas
Considere a dignidade da pessoa humana, facilitando e promovendo o seu crescimento integral, motivando e incentivando sempre seus colaboradores.
Aos colaboradores
- Seja honesto e participativo.
- Invista na sua formação.
- Seja leal.
- Organize-se para o cumprimento de prazos e metas.
- Estabeleça também um plano estratégico.
- Conquiste a confiança dos gestores.
- Respeite os colegas, clientes e fornecedores.
- Cultive os bons modos – obrigado, por favor, com licença – não faz mal a ninguém.
- Mantenha a higiene e o bem estar no local de trabalho.
Em relação à sociedade, acionistas e fornecedores, a empresa ética deve:
- Manter e seguir de forma clara a missão e visão empresarial.
- Ter responsabilidade para com os públicos – consumidores e fornecedores.
- Respeitar a legislação e o meio-ambiente.
- Ser verdadeira sempre.
- Oferecer produtos seguros e serviços de qualidade e com pontualidade.